Depois do Casamento, Descobri que o Meu Marido Só Ouvia a Mãe: Lamento Ter-me Deixado Apagar Durante Tanto Tempo
— Não percebes, Ricardo? Eu não aguento mais! — gritei, com a voz embargada, enquanto as lágrimas me queimavam o rosto. Ele olhou para mim, perdido, como se não entendesse o peso das minhas palavras. Dona Lurdes, sentada à mesa da cozinha, fingia não ouvir, mas eu sabia que cada sílaba era absorvida por ela como veneno.
Nunca pensei que a minha vida se transformasse nisto. Quando conheci o Ricardo, ele parecia ser o homem mais carinhoso do mundo. Trabalhava como engenheiro civil em Lisboa, era atencioso e fazia-me sentir especial. Os nossos passeios pelo Chiado, os jantares improvisados em casa e as conversas até tarde faziam-me acreditar que tinha encontrado o meu porto seguro.
Mas tudo mudou depois do casamento. A primeira decisão — e talvez o meu maior erro — foi aceitar viver na casa da mãe dele. Tinha o meu próprio T2 em Almada, mas Dona Lurdes insistiu que “família deve estar unida” e que “não fazia sentido desperdiçar dinheiro em duas casas”. Ricardo apoiou-a sem hesitar. Eu cedi, convencida de que era apenas temporário.
Os primeiros dias foram suportáveis. Dona Lurdes era simpática, oferecia-me chá ao pequeno-almoço e dizia que eu era como uma filha para ela. Mas rapidamente percebi que tudo tinha um preço. O meu espaço desapareceu. A minha liberdade evaporou-se.
— Não achas melhor usares esta saia mais comprida? Vais ao supermercado, nunca se sabe quem podes encontrar… — dizia ela, enquanto me estendia uma peça de roupa antiquada.
— Obrigada, Dona Lurdes, mas estou bem assim — respondia eu, tentando sorrir.
Ela suspirava alto e murmurava algo sobre “as raparigas de hoje”. Ricardo nunca dizia nada. Limitava-se a olhar para o telemóvel ou a sair da sala.
Com o passar dos meses, comecei a sentir-me uma estranha na minha própria vida. As minhas decisões eram sempre questionadas. Se queria cozinhar algo diferente, Dona Lurdes torcia o nariz:
— Aqui em casa sempre se fez bacalhau à Brás às sextas-feiras. Não vamos mudar agora.
Ricardo dava-lhe razão:
— A minha mãe tem razão, amor. É tradição.
As minhas amigas começaram a afastar-se. Quando as convidava para vir cá a casa, Dona Lurdes fazia questão de estar sempre presente, interrompendo as conversas com comentários passivo-agressivos:
— Ah, vocês jovens têm tanto tempo livre… No meu tempo já tinha dois filhos nesta idade.
Sentia-me cada vez mais sozinha. O meu trabalho como professora primária era o único refúgio. Lá sentia-me útil, respeitada. Mas mal chegava a casa, voltava a ser apenas “a mulher do Ricardo” e “a nora da Dona Lurdes”.
As discussões começaram a surgir entre mim e o Ricardo. Eu queria sair ao fim de semana, ele preferia ficar em casa com a mãe. Queria viajar nas férias, ele dizia que era melhor ir ao Norte visitar os tios dela.
Uma noite, depois de mais uma discussão sobre um simples jantar fora com colegas de trabalho, explodi:
— Porque é que nunca me defendes? Porque é que tudo o que a tua mãe diz é lei?
Ele respondeu baixinho:
— Ela só quer o nosso bem…
— E eu? Não contas comigo?
Ele encolheu os ombros e saiu do quarto.
Comecei a sentir-me invisível. As minhas opiniões não contavam. Os meus sonhos eram ridicularizados. Quando sugeri voltarmos para o meu apartamento, Dona Lurdes chorou durante horas e Ricardo disse que não podia magoar a mãe daquela maneira.
A gota de água foi no Natal. Tinha planeado passar a véspera com os meus pais em Setúbal — era importante para mim. Mas Dona Lurdes fez um drama:
— Vais deixar-me sozinha no Natal? Depois de tudo o que fiz por ti?
Ricardo olhou-me nos olhos e disse:
— Não podemos deixá-la sozinha.
Nesse momento percebi: estava sozinha naquele casamento. Ninguém me via. Ninguém me ouvia.
Naquela noite chorei até adormecer. Sonhei com a minha infância em Évora, com os serões em família, com os risos à volta da mesa. Senti saudades de mim mesma — da mulher independente e cheia de sonhos que fui antes de me perder nesta casa.
No dia seguinte tomei uma decisão. Liguei à minha mãe:
— Mãe… posso ir passar uns dias aí?
Ela percebeu tudo pelo tom da minha voz:
— Podes vir quando quiseres, filha.
Arrumei algumas roupas numa mala pequena e esperei que Ricardo chegasse do trabalho.
— Vou sair por uns tempos — disse-lhe, sem conseguir olhar-lhe nos olhos.
Ele ficou em silêncio durante longos segundos.
— Vais deixar-me?
— Não te estou a deixar… Estou a tentar encontrar-me outra vez.
Dona Lurdes apareceu à porta do corredor:
— Sabia que isto ia acontecer! As mulheres de hoje não sabem o que é sacrifício!
Olhei para ela e respondi calmamente:
— Sacrifício não é anularmo-nos pelos outros. Sacrifício é lutar por nós mesmos quando ninguém mais o faz.
Saí daquela casa com o coração apertado mas com uma estranha sensação de alívio. Em Setúbal reencontrei-me com os meus pais, com os meus irmãos, com as minhas raízes. Aos poucos fui recuperando a minha voz e a minha vontade de viver.
Ricardo ligou-me algumas vezes nos primeiros meses. Dizia que sentia a minha falta mas nunca falou em mudar nada. Percebi então que ele nunca seria capaz de se libertar da sombra da mãe.
Hoje vivo sozinha no meu apartamento em Almada. Voltei a receber as minhas amigas em casa, voltei a rir alto sem medo de ser julgada. Às vezes sinto falta do Ricardo — ou talvez apenas da ideia do amor que pensei ter encontrado nele.
Pergunto-me muitas vezes: quantas mulheres portuguesas vivem presas à vontade dos outros? Quantas se perdem tentando agradar à família do marido? E vocês — já sentiram que tiveram de abdicar de quem são para caber na vida de alguém?