Sempre fui eu a salvar o nosso casamento. Quando finalmente desisti, ele começou a lutar por nós.

— Outra vez sopa, Mariana? — O tom do António era frio, quase indiferente, enquanto pousava a mala no chão da cozinha. O cheiro a alho e coentros enchia o ar, mas eu já não sentia prazer em cozinhar. Olhei para ele, cansada, e pensei: será que ele repara que estou a desaparecer aos poucos?

— Não tive tempo para mais — respondi, tentando esconder o tremor na voz. O Miguel tinha tido febre durante a noite, a Leonor precisava de ajuda com os trabalhos de casa e eu ainda tive de terminar um relatório para o escritório. Mas ele não perguntou porquê. Nunca perguntava.

Durante anos, fui eu quem segurou as pontas do nosso casamento. Era eu quem marcava consultas, quem lembrava aniversários, quem tentava manter viva a chama entre nós. O António era um bom pai, mas parecia sempre ausente, como se vivesse numa casa paralela à minha. Eu tentava puxá-lo para perto, mas ele escorregava-me sempre por entre os dedos.

Lembro-me de uma noite em particular, há uns meses. Estávamos sentados no sofá, cada um agarrado ao seu telemóvel. A televisão fazia barulho de fundo, mas ninguém via nada. Senti uma vontade súbita de chorar.

— António, achas que ainda faz sentido? — perguntei, baixinho.

Ele olhou para mim como se eu tivesse dito algo absurdo.

— O quê?

— Isto… nós. Sentes que ainda somos um casal?

Ele encolheu os ombros.

— Não sei. Estamos cansados, Mariana. É normal.

Fiquei a olhar para ele, à espera de mais alguma coisa. Uma palavra de conforto, um gesto. Mas nada veio. Fui para a cama sozinha nessa noite.

Os dias passaram e tudo continuou igual. Eu tentava conversar, tentava planear fins de semana diferentes, tentava surpreendê-lo com pequenos gestos. Ele respondia com indiferença ou com um sorriso cansado. Comecei a sentir-me invisível dentro da minha própria casa.

A minha mãe dizia-me para ter paciência.

— Os homens são assim, filha. Tens de ser tu a puxar por ele.

Mas eu já não tinha forças. Sentia-me exausta, como se carregasse o peso do mundo às costas.

Uma tarde, depois de uma discussão por causa das tarefas domésticas — mais uma entre tantas — sentei-me na varanda e chorei até não ter mais lágrimas. Olhei para o céu cinzento e pensei: “E se eu simplesmente parar? E se deixar de tentar?”

Foi isso que fiz. Deixei de marcar consultas, deixei de preparar surpresas, deixei de insistir em conversas profundas. Passei a fazer apenas o mínimo indispensável para manter a casa a funcionar.

No início, nada mudou. O António parecia nem reparar. Mas ao fim de algumas semanas, algo começou a acontecer.

Uma noite, cheguei a casa tarde do trabalho e encontrei o jantar feito. O António estava na cozinha com o Miguel ao colo e a Leonor a pôr a mesa.

— Fiz arroz de pato — disse ele, meio envergonhado. — Achei que ias gostar.

Fiquei sem palavras. Sentei-me à mesa e comemos juntos pela primeira vez em meses sem discussões nem silêncios constrangedores.

Nos dias seguintes, ele começou a perguntar-me como tinha corrido o meu dia. Começou a ajudar mais com as crianças e até sugeriu irmos ao cinema só os dois.

Uma noite, depois de deitarmos os miúdos, sentou-se ao meu lado no sofá e pegou-me na mão.

— Desculpa — disse ele, com os olhos marejados. — Acho que só percebi agora o quanto te estava a perder.

Senti uma mistura de alívio e raiva. Porque é que teve de chegar tão longe? Porque é que só quando deixei de lutar é que ele acordou?

— António… não sei se consigo voltar atrás — confessei-lhe. — Estou tão cansada…

Ele apertou-me a mão com força.

— Eu sei que falhei contigo. Mas quero tentar outra vez. Quero ser melhor marido para ti e melhor pai para os nossos filhos.

As semanas seguintes foram estranhas. Havia momentos em que sentia esperança — quando ele me surpreendia com um pequeno-almoço na cama ou quando me abraçava sem motivo aparente. Mas também havia momentos em que me sentia desconfiada, como se tudo aquilo fosse temporário e ele pudesse voltar à indiferença de antes.

A Leonor percebeu que algo estava diferente.

— Mãe, tu e o pai vão separar-se?

Olhei para ela e senti um nó na garganta.

— Não sei, filha. Estamos a tentar perceber o que é melhor para todos.

Ela abraçou-me com força e percebi o quanto as nossas escolhas afetavam os nossos filhos.

Uma noite, depois de todos estarem a dormir, sentei-me sozinha na sala e olhei para as fotografias antigas na estante: o nosso casamento na igreja da aldeia, as férias no Algarve quando ainda éramos só dois apaixonados sem preocupações.

Perguntei-me se era possível voltar atrás no tempo ou se estávamos apenas a tentar colar cacos partidos demais.

O António entrou na sala em silêncio e sentou-se ao meu lado.

— Tenho medo — confessou ele. — Medo que já seja tarde demais.

Olhei para ele e vi sinceridade nos olhos dele pela primeira vez em muito tempo.

— Também tenho medo — respondi. — Mas talvez possamos aprender a amar-nos outra vez… devagarinho.

Agora vivemos um dia de cada vez. Às vezes sinto esperança; outras vezes sinto apenas cansaço. Mas há uma coisa que aprendi: não posso ser sempre eu a salvar tudo sozinha.

Será que é possível reconstruir um amor depois de tanto desgaste? Ou estamos apenas a adiar o inevitável? Gostava de saber o que fariam no meu lugar.