Estufa Partida e a Astúcia de uma Mulher: Como uma Intriga Quase Destruiu Duas Famílias

— Não me mintas, António! Eu vi-te, ouvi tudo! — gritei, sentindo o peito apertado como se o ar me faltasse. O vidro da estufa ainda tilintava no chão do quintal, espalhando-se como os cacos da minha confiança. Era uma manhã húmida de março em Vila Nova de Gaia, e o cheiro a terra molhada misturava-se com o sabor amargo da traição.

António olhou-me com aqueles olhos castanhos que tantas vezes me tinham acalmado. Mas agora, só via neles medo. — Maria, não é o que parece…

— Não é o que parece? — interrompi, a voz a tremer. — Então explica-me porque é que a Ana estava aqui às escondidas, porque é que discutiam baixinho junto à estufa, e porque é que fugiu quando me viu?

O silêncio dele foi mais cortante do que qualquer palavra. Senti as pernas fraquejarem. A Ana era minha vizinha desde sempre, crescemos juntas, partilhámos segredos de infância e sonhos de juventude. Mas nos últimos meses, havia nela um brilho estranho quando olhava para o meu marido. Eu quis ignorar, quis acreditar que era só imaginação minha.

A verdade é que tudo começou há três meses, quando António perdeu o emprego na fábrica de cortiça. O dinheiro começou a faltar, as discussões aumentaram. Eu trabalhava como auxiliar numa escola primária, mas o ordenado mal chegava para as contas. Foi nessa altura que a Ana começou a aparecer mais vezes cá em casa, sempre com um bolo ou um sorriso pronto. “Coitada da Maria, tão cansada…”, dizia ela à minha mãe, Dona Lurdes, que morava connosco desde que ficou viúva.

— Maria, não te metas nessas coisas — avisava-me a minha mãe. — Mulher bonita e desocupada é tentação para homem fraco.

Eu ria-me dessas coisas. Achava que era exagero de velha desconfiada. Mas naquela manhã, quando ouvi vozes sussurradas no quintal e vi as sombras junto à estufa, algo dentro de mim estalou.

— Diz-me a verdade, António! — insisti, já com lágrimas nos olhos.

Ele baixou a cabeça. — Ela veio pedir-me ajuda para arranjar um problema no carro… Só isso.

— E por isso estavam aos cochichos? Por isso ela fugiu como se tivesse visto o diabo?

O silêncio dele era uma confissão. Senti-me ridícula por ter confiado tanto tempo. Corri para dentro de casa, bati com a porta do quarto e deixei-me cair na cama. Oiço ainda hoje o som do vidro partido — como se fosse o meu coração.

Durante dias, mal lhe falei. A Ana evitava passar pelo nosso portão. Mas as línguas na aldeia são afiadas. Bastou uma vizinha ver a Ana sair do nosso quintal para começarem os boatos.

— Ouviste dizer? A Maria e o António andam às turras por causa da vizinha…

A minha mãe tentava consolar-me. — Filha, homem fraco é presa fácil. Mas mulher astuta é pior ainda.

Eu não sabia em quem acreditar. O António jurava inocência, mas eu via-lhe nos gestos um nervosismo novo. A Ana tentava falar comigo na rua:

— Maria, acredita em mim! Eu nunca faria nada para te magoar!

Mas eu já não conseguia olhar para ela sem sentir raiva e vergonha.

As semanas passaram e a tensão em casa tornou-se insuportável. O meu filho mais novo, o Tiago, começou a ter pesadelos à noite. A minha filha adolescente, a Sofia, trancava-se no quarto com os fones nos ouvidos para não ouvir as discussões.

Uma noite, depois de todos se deitarem, ouvi passos no quintal. Espreitei pela janela: era António junto à estufa partida, sentado no banco de pedra com as mãos na cabeça. Fui ter com ele em silêncio.

— Maria… — murmurou ele quando me viu. — Eu não sei como chegámos aqui.

Sentei-me ao lado dele. Pela primeira vez em semanas, não gritei nem chorei.

— Diz-me só uma coisa: houve alguma coisa entre vocês?

Ele abanou a cabeça devagar. — Juro-te pela saúde dos nossos filhos: nunca te traí. Mas…

— Mas?

— Senti-me tentado. Ela fazia-me sentir importante outra vez… Depois de perder o emprego, sentia-me um inútil aqui em casa. Ela sabia disso e aproveitou-se.

As palavras dele doeram mais do que qualquer confissão física. Era pior saber que alguém podia entrar assim nas nossas fraquezas.

No dia seguinte, fui falar com a Ana. Esperei por ela à porta do supermercado.

— Precisamos de conversar — disse-lhe sem rodeios.

Ela tentou sorrir mas os olhos estavam vermelhos.

— Maria… Eu nunca quis magoar-te. Só queria sentir-me viva outra vez… O meu marido está sempre fora, os meus filhos já não precisam de mim… E o António era tão gentil…

— Gentil? Ou vulnerável?

Ela baixou os olhos.

— Talvez as duas coisas…

Ficámos ali paradas na rua, duas mulheres presas nas suas solidões e desejos não ditos.

A partir desse dia, decidi que não ia deixar que esta intriga destruísse tudo o que tinha construído. Procurei ajuda: falei com uma psicóloga do centro de saúde; obriguei o António a ir comigo às sessões; sentei os meus filhos à mesa e expliquei-lhes que os adultos também erram e sofrem.

Foi um processo longo e doloroso. A confiança não voltou de um dia para o outro. Houve dias em que pensei em desistir de tudo: da casa, do casamento, da vida tranquila que sempre sonhei.

A Ana mudou-se pouco tempo depois para Lisboa; ouvi dizer que arranjou trabalho num hotel e que raramente volta à aldeia. O António encontrou emprego numa oficina; voltou mais cansado mas também mais humilde.

Hoje olho para a estufa partida no quintal — nunca quis arranjá-la. É um lembrete do dia em que quase perdi tudo por causa da astúcia de uma mulher e da fraqueza de um homem.

Pergunto-me muitas vezes: será possível reconstruir totalmente aquilo que foi partido? Ou será que vivemos todos entre cacos colados com esperança? E vocês? Já sentiram a vossa vida estilhaçar-se por dentro?