No Sombra da Minha Sogra: Quando o Amor se Perde Entre Paredes

— Vais mesmo dormir lá outra vez, Miguel? — perguntei, a voz a tremer, enquanto ele enfiava a última camisa na mochila. O relógio da cozinha marcava 21h17, e o cheiro do jantar frio pairava no ar, ignorado por ambos.

Ele não me olhou nos olhos. — A minha mãe não está bem, Marta. Já te disse. Precisa de mim.

A raiva e o desespero misturavam-se dentro de mim como um nó impossível de desfazer. — E eu? Eu não preciso de ti? — sussurrei, mas ele já estava a sair pela porta, deixando-me sozinha com o silêncio pesado do nosso apartamento.

Nunca pensei que o nosso casamento chegasse a este ponto. Quando casei com o Miguel, há oito anos, éramos inseparáveis. Ríamos juntos, fazíamos planos para viajar pelo Douro, sonhávamos com uma casa cheia de filhos. Mas tudo mudou quando a mãe dele ficou viúva. Dona Amélia sempre foi uma presença forte, quase sufocante, mas depois da morte do sogro tornou-se ainda mais exigente. No início, compreendi. Afinal, perder um marido depois de quarenta anos não é fácil para ninguém. Mas agora… agora sinto que ela me roubou o marido.

As semanas passaram e a distância entre mim e o Miguel só aumentava. Ele vinha a casa buscar roupa, às vezes jantava comigo em silêncio, mas nunca ficava. A desculpa era sempre a mesma: “A mãe está pior”, “A mãe precisa de mim”, “A mãe não dorme se eu não estiver lá”. Comecei a sentir-me invisível.

Uma noite, decidi ir à casa da sogra sem avisar. O coração batia-me descompassado enquanto subia as escadas do prédio antigo em Benfica. Toquei à campainha e ouvi passos arrastados do outro lado.

— Marta? O que fazes aqui tão tarde? — perguntou Dona Amélia, com aquele tom doce que só usava quando queria parecer inocente.

— Vim ver o Miguel. Preciso de falar com ele — respondi, tentando manter a calma.

Ela sorriu, mas os olhos dela diziam outra coisa. — O Miguel foi comprar pão. Queres esperar?

Sentei-me no sofá de veludo verde, rodeada de fotografias antigas do Miguel em criança. O cheiro a naftalina e sopa de legumes era sufocante. Dona Amélia sentou-se ao meu lado e pousou a mão fria sobre a minha.

— Sabes, Marta… O Miguel sempre foi muito sensível. Depois da morte do pai ficou tão frágil… Eu preciso dele agora mais do que nunca.

Olhei-a nos olhos. — E eu? Não preciso dele também?

Ela suspirou teatralmente. — Tu és jovem, tens amigos, tens trabalho… Eu só tenho o meu filho.

Nesse momento percebi: ela nunca me aceitou verdadeiramente. Sempre me viu como uma intrusa, alguém que lhe roubou o menino de ouro. Fiquei ali sentada até o Miguel chegar, mas ele mal me cumprimentou.

No caminho para casa chorei baixinho no carro. Senti-me derrotada, como se tivesse perdido uma batalha que nem sabia estar a travar.

Os dias seguintes foram um tormento. No trabalho mal conseguia concentrar-me; os colegas perguntavam se estava tudo bem e eu sorria mecanicamente. Em casa, o silêncio era ensurdecedor. Comecei a duvidar de mim própria: estaria a ser egoísta? Estaria mesmo a mãe dele tão doente como dizia?

Uma tarde, decidi ligar à irmã do Miguel, a Ana, que vive no Porto e raramente vem a Lisboa.

— Ana, preciso falar contigo… Estou desesperada — confessei-lhe ao telefone.

Ela ouviu-me em silêncio e depois disse:

— Marta, eu sei como a minha mãe pode ser… Ela sempre foi manipuladora. Quando eu era miúda fazia-me sentir culpada por tudo. O Miguel sempre foi o preferido dela…

— Achas que ela está mesmo assim tão doente?

— Não sei… Mas sei que ela sabe usar as doenças para ter o que quer.

As palavras da Ana ecoaram na minha cabeça durante dias. Comecei a reparar em pequenos detalhes: as vezes em que Dona Amélia parecia perfeitamente bem quando eu chegava de surpresa; as histórias contraditórias sobre as consultas médicas; os telefonemas dramáticos sempre que eu e o Miguel fazíamos planos para sair juntos.

Um sábado à tarde decidi confrontar o Miguel. Esperei por ele no nosso apartamento e quando entrou fechei-lhe a porta à chave.

— Temos de falar — disse-lhe, com firmeza.

Ele olhou-me assustado. — O que é que se passa?

— Isto não pode continuar assim! Eu sinto-me sozinha, Miguel! Sinto que já não tenho marido! A tua mãe está a usar-te contra mim!

Ele passou as mãos pelo cabelo, nervoso. — Não digas isso da minha mãe… Ela precisa mesmo de mim!

— E eu? Eu não preciso? O nosso casamento não precisa? Tu já pensaste sequer em nós?

Ele ficou em silêncio durante tanto tempo que pensei que ia sair sem dizer nada. Mas finalmente falou:

— Eu não sei o que fazer… Sinto-me preso entre vocês as duas. Se fico contigo sinto-me culpado pela minha mãe; se fico com ela sinto que te estou a perder…

Abracei-o e chorei no ombro dele. Pela primeira vez em meses senti-o vulnerável, perdido como eu.

Nessa noite dormiu comigo em casa. Mas no dia seguinte voltou para a mãe.

As semanas passaram e nada mudou realmente. Comecei a ir à terapia sozinha; precisava de alguém que me ajudasse a perceber se ainda valia a pena lutar por este casamento ou se devia seguir em frente sozinha.

A terapeuta perguntou-me: “O que é que tu queres realmente?”

E eu não soube responder.

Os meus pais começaram a pressionar-me para pedir o divórcio. “Não podes viver assim para sempre”, dizia o meu pai ao telefone. A minha mãe chorava comigo ao domingo à tarde quando ia almoçar lá a casa.

Mas eu ainda amava o Miguel. Ou pelo menos amava aquilo que fomos um dia.

Um dia recebi uma mensagem da Ana: “A mãe está internada no hospital.” Fui imediatamente para lá; encontrei o Miguel sentado no corredor, com os olhos vermelhos de tanto chorar.

Sentei-me ao lado dele e segurei-lhe a mão.

— Vai ficar tudo bem — disse-lhe, sem saber se acreditava nisso.

Durante aqueles dias no hospital estivemos juntos como há muito tempo não estávamos. Cuidámos da Dona Amélia juntos, apoiámo-nos um ao outro nas horas difíceis.

Quando ela finalmente teve alta e voltou para casa dela, olhámos um para o outro como dois estranhos que partilharam uma guerra.

— E agora? — perguntei-lhe.

Ele olhou para mim com uma tristeza profunda nos olhos.

— Não sei… Preciso de tempo para perceber quem sou sem ela… sem ti…

Voltou para casa da mãe naquela noite. E eu fiquei sozinha no nosso apartamento vazio.

Hoje escrevo estas palavras sem saber qual será o nosso futuro. Ainda amo o Miguel? Ou amo apenas a memória do homem com quem casei? Será possível reconstruir um casamento depois de tanta dor e desilusão?

E vocês? Já sentiram que perderam alguém para a família dele? Como é que se volta a confiar depois de tudo isto?