O Pedido de Casamento do Mário e a Nossa Vida a Três: Entre Conflitos e Descobertas
— Não sei se consigo, Mário. Não sei mesmo. — As palavras saíram-me num sussurro trémulo, enquanto olhava para as minhas mãos pousadas sobre a mesa da cozinha. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o silêncio pesado que se instalou entre nós.
Mário pousou a chávena devagar, como se cada movimento pudesse fazer explodir o que restava da minha coragem. — Leonor, eu amo-te. Mas a minha mãe… ela não tem para onde ir. Sabes como ficou depois do meu pai morrer. E tu sabes o quanto ela depende de mim.
Fechei os olhos por um instante. Quinze anos tinham passado desde que saí de casa do António, levando apenas uma mala e o meu filho pequeno pela mão. Jurei a mim mesma que nunca mais deixaria alguém decidir por mim, nunca mais viveria com medo de não ser suficiente. Agora, perante o pedido de casamento do Mário — aquele homem bom, paciente, que me ensinou a confiar outra vez — sentia-me de novo encurralada.
— Não é por não gostar da tua mãe — tentei explicar, mas a voz falhou-me. — É só… tenho medo de perder aquilo que conquistei. A minha paz. O meu espaço.
Mário aproximou-se e segurou-me as mãos. — Eu prometo que vai correr bem. Vamos encontrar uma solução juntos.
Mas será que havia solução? Dona Amélia era uma força da natureza: mulher de opiniões fortes, criada no Norte, habituada a comandar tudo à sua volta. Desde que o marido morrera, há três anos, mudara-se para o pequeno apartamento do Mário em Matosinhos. Eu visitava-os muitas vezes, mas sempre sentira aquela tensão no ar — como se ela me medisse com os olhos, à procura de falhas.
Naquela noite, não dormi. Oiço ainda o tic-tac do relógio da sala, misturado com os meus pensamentos: “Será que estou a ser egoísta? Será que consigo partilhar o meu lar outra vez?” O meu filho, Tiago, agora com vinte anos e já fora de casa, dizia-me sempre: — Mãe, mereces ser feliz. Não compliques tanto.
Mas era fácil falar quando não era ele quem teria de dividir a casa com uma sogra teimosa.
O pedido oficial aconteceu numa tarde chuvosa de domingo. Mário ajoelhou-se na varanda do nosso apartamento alugado e estendeu-me um anel simples, mas bonito. — Leonor, queres casar comigo? E… queres tentar viver connosco? Comigo e com a minha mãe?
Senti um nó na garganta. Disse que sim ao casamento — porque o amava — mas pedi tempo para pensar na vida a três.
As semanas seguintes foram um turbilhão de emoções. Dona Amélia soube da novidade antes de eu estar preparada. Ligou-me:
— Então, menina Leonor, parece que vai ser minha nora! Espero que saiba cozinhar bacalhau à Brás como deve ser…
Sorri sem vontade. — Faço um arroz de polvo que é famoso lá na terra.
— Pois, vamos ver se é melhor que o meu…
A competição começava cedo.
Quando finalmente nos mudámos para a casa nova — um T3 modesto em Leça da Palmeira — tentei impor algumas regras: cada um teria o seu espaço; as tarefas seriam divididas; nada de comentários sobre a educação do Tiago ou sobre as minhas escolhas profissionais (eu trabalhava como professora primária). Mário apoiou-me em tudo, mas Dona Amélia parecia ter sempre uma palavra final.
Na primeira semana, discutimos por causa do detergente da roupa:
— Sempre usei sabão azul e branco! — exclamou ela.
— Mas este é hipoalergénico e melhor para as minhas alergias… — respondi.
— A senhora faz como quiser, mas as minhas roupas lavo eu!
No jantar desse dia, Mário tentou aliviar o ambiente:
— Amélia, deixa lá a Leonor escolher o detergente. O importante é estarmos juntos.
Ela olhou-o com aquele olhar que só as mães portuguesas sabem dar: — Pois, pois… até parece que agora mando eu alguma coisa nesta casa.
À noite chorei baixinho no quarto. Senti-me uma intrusa na minha própria vida.
Os meses passaram entre pequenas guerras domésticas e tréguas silenciosas. Havia dias bons: Dona Amélia ensinou-me a fazer rabanadas como as da infância; ríamos juntas das novelas; partilhávamos memórias dos nossos maridos ausentes. Mas bastava um comentário sobre a arrumação da sala ou sobre o tempo que eu passava no trabalho para tudo voltar ao início.
Uma tarde, cheguei a casa mais cedo e ouvi Dona Amélia ao telefone:
— Não sei se isto vai resultar… Ela é boa rapariga, mas não é como eu esperava para o meu filho…
Senti-me esmagada por aquela frase. Saí sem fazer barulho e fui caminhar junto ao mar. O vento frio cortava-me a cara, mas era melhor do que enfrentar aquela rejeição.
Nessa noite confrontei Mário:
— Não aguento mais sentir-me uma estranha aqui! A tua mãe nunca vai aceitar-me verdadeiramente.
Ele abraçou-me com força. — Dá-lhe tempo. Ela também tem medo de perder o filho…
Foi então que percebi: estávamos todos assustados. Eu temia perder a minha liberdade; Dona Amélia temia perder o filho; Mário temia perder-nos às duas.
Decidi tentar algo diferente: convidei Dona Amélia para sair comigo ao sábado de manhã, só nós as duas. Fomos ao mercado comprar peixe fresco e flores. No regresso, sentámo-nos num café e contei-lhe sobre o meu divórcio, sobre os anos difíceis em que fui mãe solteira.
Ela ouviu em silêncio e depois disse:
— Sabe, Leonor… também tive medo quando casei com o pai do Mário. A minha sogra era terrível! Mas aprendi que às vezes temos de ceder um bocadinho para sermos felizes.
Nesse dia senti que algo mudou entre nós.
Não foi fácil nem rápido. Ainda hoje temos discussões sobre coisas pequenas: o sal na sopa, as visitas inesperadas da vizinha Rosa ou quem fica com o comando da televisão à noite. Mas aprendemos a rir das nossas diferenças.
O casamento foi simples: só família próxima e alguns amigos. Tiago fez um discurso emocionado sobre segundas oportunidades e Dona Amélia chorou ao ver o filho feliz.
Hoje olho para trás e penso em tudo o que arrisquei para chegar aqui. Não foi só amor: foi coragem, paciência e muita vontade de construir algo novo.
Às vezes pergunto-me: quantas famílias portuguesas vivem dramas parecidos atrás das portas fechadas? Quantas mulheres têm medo de perder aquilo que conquistaram sozinhas? E será possível encontrar felicidade mesmo quando tudo parece demasiado complicado?
E vocês? Já tiveram de ceder para encontrar paz numa família? Até onde iriam pelo amor?