Não Caminhei Até ao Altar: Enquanto Planeávamos o Casamento, O Meu Noivo e o Pai Dele Vendiam a Nossa Casa em Segredo
— Mariana, precisamos de falar — disse a minha mãe, com aquela voz que só usa quando algo está mesmo mal. Eu estava sentada à mesa da cozinha, a olhar para os convites de casamento espalhados à minha frente, a tentar decidir entre dourado ou prateado para os envelopes. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o perfume das flores que a minha avó tinha trazido do quintal. — Agora? — perguntei, sem levantar os olhos dos convites. — Sim, agora. É importante.
O meu coração começou a bater mais depressa. A minha mãe nunca interrompia os meus preparativos para o casamento, não depois de tudo o que tínhamos passado para chegar até aqui. Olhei para ela e vi nos olhos dela uma preocupação que me gelou por dentro.
— O teu pai ouviu uma conversa estranha no café esta manhã — começou ela, hesitante. — Dizem que o Rui e o pai dele andam a tratar de papéis para vender o apartamento.
Senti um nó na garganta. O apartamento. O nosso apartamento. Aquele T2 em Benfica que tínhamos comprado juntos há seis meses, depois de tanto sacrifício. Era ali que íamos começar a nossa vida de casados. Era ali que eu já imaginava os nossos filhos a correr pelo corredor, as noites de inverno enrolados no sofá, as discussões sobre quem lavava a loiça.
— Isso não faz sentido — murmurei, tentando convencer-me mais do que à minha mãe. — O Rui nunca faria isso sem me dizer.
Mas a dúvida já estava lá, como uma pedra no sapato. Liguei-lhe imediatamente. Ele atendeu ao terceiro toque, com aquela voz calma que sempre me acalmava.
— Amor, está tudo bem? — perguntou ele.
— Rui, preciso que me digas a verdade. Estás a vender o nosso apartamento?
Houve um silêncio do outro lado da linha. Um silêncio pesado, cheio de tudo aquilo que eu não queria ouvir.
— Mariana… podemos falar logo à noite? Prefiro explicar-te pessoalmente.
Desliguei antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. Senti as lágrimas a subir-me aos olhos, mas recusei-me a chorar ali, à frente da minha mãe. Fui para o quarto e fechei a porta com força.
Durante toda a tarde tentei convencer-me de que era um mal-entendido. Talvez fosse outro apartamento. Talvez fosse só um boato. Mas no fundo eu sabia: havia algo errado há semanas. O Rui andava distante, sempre com desculpas para não vir ver as amostras dos convites ou discutir os detalhes da cerimónia. O pai dele, o senhor António, evitava olhar-me nos olhos desde que tínhamos assinado os papéis do banco.
À noite, quando o Rui chegou, eu já estava sentada no sofá da sala, à espera dele. Ele entrou devagarinho, pousou as chaves na mesa e sentou-se ao meu lado.
— Mariana… desculpa não te ter contado antes — começou ele, sem conseguir olhar para mim. — O meu pai está com problemas financeiros graves. Ele pediu-me para vender o apartamento porque precisa do dinheiro urgentemente.
— E tu? — perguntei, sentindo a raiva a crescer dentro de mim. — Tu concordaste? Sem me dizeres nada?
Ele passou as mãos pelo cabelo, nervoso.
— Achei que conseguíamos resolver tudo antes do casamento e depois comprávamos outro… Não queria preocupar-te.
Levantei-me de um salto.
— Não querias preocupar-me? Rui, tu vendeste a nossa casa! Aquela onde íamos viver! Como é que achaste que isso não me ia preocupar?
Ele tentou agarrar-me na mão, mas eu afastei-me.
— Mariana, eu amo-te… Só queria proteger-te disto tudo.
— Proteger-me? Ou proteger o teu pai? — gritei-lhe, incapaz de controlar as lágrimas.
A discussão arrastou-se pela noite fora. O Rui insistia que era temporário, que íamos encontrar outra solução. Eu só conseguia pensar em todas as mentiras, em todos os sonhos desfeitos num instante.
Nos dias seguintes, tentei falar com o senhor António. Ele evitava-me sempre que podia. A minha família estava em choque; os meus pais sentiam-se traídos por terem confiado nele, por terem investido tanto no nosso futuro juntos.
As semanas passaram e o casamento aproximava-se. Os convites estavam prontos para serem enviados, mas eu já não conseguia olhar para eles sem sentir um aperto no peito. As minhas amigas tentavam animar-me:
— Mariana, ainda vais a tempo de cancelar tudo se não te sentires bem…
Mas eu não queria acreditar que era esse o meu destino. Passei noites em claro a pensar no que fazer. O Rui continuava a prometer soluções milagrosas; dizia-me que o amor era mais forte do que qualquer casa ou problema financeiro.
Uma noite, depois de mais uma discussão interminável com ele ao telefone, fui até ao apartamento sozinha. Sentei-me no chão da sala vazia e chorei como nunca tinha chorado antes. Lembrei-me do dia em que assinámos o contrato juntos; do sorriso dele quando me prometeu que ali seríamos felizes; das promessas sussurradas ao ouvido nas noites frias de dezembro.
No dia seguinte tomei uma decisão: não ia casar-me assim. Não podia construir uma vida baseada em mentiras e segredos. Liguei ao Rui e pedi-lhe para se encontrar comigo no jardim onde nos tínhamos conhecido.
Ele chegou atrasado, como sempre. Sentou-se ao meu lado no banco e olhou-me nos olhos pela primeira vez em semanas.
— Mariana…
— Não digas nada — interrompi-o. — Eu amo-te, mas não posso casar contigo assim. Preciso de confiar em ti e neste momento não consigo.
Ele tentou argumentar, mas eu já tinha decidido. Levantei-me e fui embora sem olhar para trás.
Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções: tristeza, raiva, alívio e uma estranha sensação de liberdade. A minha família apoiou-me incondicionalmente; os meus amigos ajudaram-me a devolver os depósitos das quintas e dos fotógrafos; até a minha avó me trouxe flores do quintal para alegrar os dias mais cinzentos.
Hoje olho para trás e percebo que aquela traição foi também um presente: obrigou-me a crescer, a perceber que mereço mais do que promessas vazias e segredos escondidos atrás de portas fechadas.
Às vezes pergunto-me: quantas pessoas vivem presas a relações onde a confiança foi quebrada? Quantas vezes ignoramos os sinais porque temos medo de ficar sozinhos? Será que é possível recomeçar depois de perder tudo aquilo em que acreditávamos?