A Noite em Que Fui Expulsa do Baile
— Não podes entrar, Mariana. O teu vestido não está de acordo com o regulamento. — A voz da professora Helena soou fria, quase mecânica, enquanto me barrava à porta do ginásio decorado com balões dourados e luzes cintilantes. Senti o coração a bater tão forte que temi que todos à volta ouvissem.
Olhei para baixo, para o meu vestido florido, aquele que a minha mãe costurou com tanto carinho durante semanas. As flores azuis e amarelas pareciam agora murchas sob a luz branca do corredor. — Mas professora… — tentei argumentar, a voz embargada. — Não está demasiado curto, nem decotado…
Ela suspirou, impaciente. — Mariana, já discutimos isto. O regulamento diz vestidos lisos, sem padrões chamativos. Não posso abrir exceções.
Atrás de mim, ouvi risinhos abafados de algumas colegas. Senti o rosto a arder de vergonha. O meu pai, que me tinha deixado à porta com um sorriso orgulhoso, já devia estar longe. Peguei no telemóvel com mãos trémulas e liguei à Inês, a minha melhor amiga.
— Inês… — mal consegui falar entre soluços. — Mandaram-me embora… por causa do vestido…
Do outro lado, ouvi um suspiro revoltado. — Isso é ridículo! Queres que vá ter contigo? — perguntou ela, já com aquela urgência protetora que sempre teve.
— Não… não quero estragar-te a noite também… — respondi, mas no fundo desejava que alguém me abraçasse.
Sentei-me no passeio do parque de estacionamento, sentindo o frio a atravessar o tecido fino do vestido. As lágrimas corriam-me pelo rosto sem controlo. Lembrei-me da minha mãe a passar horas à máquina de costura, dos tecidos espalhados pela mesa da cozinha, das conversas sobre como eu ia ser a rapariga mais bonita do baile.
Quando cheguei a casa, a minha mãe estava à espera na sala. Os olhos dela brilharam de raiva e tristeza ao ver-me naquele estado.
— O que aconteceu? — perguntou, já sabendo a resposta.
— Não me deixaram entrar… disseram que o vestido não era permitido…
Ela abraçou-me com força. — Isto é uma injustiça! Vou falar com a escola amanhã mesmo!
O meu pai entrou na sala nesse momento, e o ambiente ficou ainda mais tenso. Ele era mais reservado, mas vi nos olhos dele uma mistura de frustração e impotência.
— Mariana, às vezes temos de aceitar que as regras são para todos… — disse ele, hesitante.
— Mas esta regra não faz sentido! — gritei, incapaz de conter a raiva. — O vestido não tem nada de mal!
A discussão prolongou-se noite dentro. A minha mãe queria ir à comunicação social, o meu pai achava melhor deixar passar. Eu só queria desaparecer.
No dia seguinte, na escola, os olhares eram inevitáveis. Uns de pena, outros de troça. A professora Helena chamou-me ao gabinete.
— Mariana, lamento o que aconteceu. Mas as regras existem para manter a ordem…
— Ordem? Ou para nos fazer sentir pequenas? — perguntei, sem conseguir esconder o sarcasmo.
Ela desviou o olhar. — Espero que compreendas um dia.
Durante dias senti-me humilhada e revoltada. A Inês tentou animar-me, mas eu evitava sair de casa. Até que recebi uma mensagem da minha prima Sofia:
“O meu baile é para a semana. Vens comigo? Usa o teu vestido florido! Aqui ninguém se importa com padrões.”
Hesitei. Tinha medo de ser rejeitada outra vez. Mas a minha mãe insistiu:
— Vai, filha. Mostra-lhes que não há nada de errado em seres tu mesma.
Na noite do baile da Sofia, vesti novamente o vestido florido. O coração batia-me descompassado quando entrei no salão da escola dela em Cascais. Ninguém olhou duas vezes para mim. Dançámos até de madrugada, rimos e tirámos fotografias que ainda hoje guardo com carinho.
No regresso a casa, olhei pela janela do carro e pensei em tudo o que tinha acontecido naquela semana. Perguntei-me porque é que as pessoas têm tanto medo do diferente. Porque é que um simples vestido pode causar tanta confusão?
Hoje olho para trás e percebo que aquela noite mudou algo em mim. Aprendi que às vezes é preciso coragem para ser diferente — mesmo quando isso significa ficar sozinha no parque de estacionamento a chorar.
Será que algum dia vamos aprender a aceitar as diferenças dos outros sem medo ou preconceito? E vocês, já sentiram na pele o peso de uma injustiça assim?