O Preço do Tempo Não Correspondido: A História de André
— André, já viste as horas? — gritou a minha mãe da cozinha, a voz carregada de impaciência. — Sempre atrasado, sempre no teu mundo!
O relógio marcava 19h47. O jantar estava frio na mesa e o meu pai, como sempre, olhava-me com aquele ar de quem já perdeu a esperança. Eu tinha acabado de chegar do trabalho, exausto, mas ninguém parecia importar-se. Sentei-me à mesa em silêncio, tentando ignorar o peso das expectativas que pairavam sobre mim.
— O teu irmão já está quase a acabar o mestrado e tu ainda andas a perder tempo com esses projetos que não dão em nada — disse o meu pai, sem sequer olhar para mim.
Engoli em seco. O meu irmão, Ricardo, era o orgulho da família: notas altas, emprego garantido, noiva perfeita. Eu? Trabalhava numa loja de informática e passava as noites a tentar lançar uma startup com dois amigos. A cada jantar, sentia-me mais pequeno.
Naquela noite, depois de mais uma discussão sobre o meu futuro incerto, fechei-me no quarto. Peguei no telemóvel e escrevi à Sofia:
— Preciso de falar contigo. Podes vir ter comigo ao parque?
Sofia era a minha melhor amiga desde o secundário. Sempre me ouviu, sempre me apoiou. Ou assim pensava eu. Esperei no banco do parque durante uma hora. O frio entrava-me pelos ossos e cada minuto parecia um lembrete cruel de que o meu tempo não valia nada para ninguém.
Finalmente, recebi uma mensagem:
— Desculpa, André. Não posso hoje. Amanhã falamos.
Amanhã. Sempre amanhã. Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Porque é que eu era sempre a última prioridade de toda a gente?
No dia seguinte, acordei com uma mensagem do meu chefe:
— Preciso que fiques até mais tarde hoje. Temos inventário.
Mais uma vez, os meus planos iam por água abaixo. Liguei ao João, o meu sócio na startup:
— João, não vou conseguir ir à reunião hoje. O chefe pediu para ficar até tarde.
Do outro lado da linha, silêncio. Depois um suspiro:
— André, assim não dá. Estamos todos a sacrificar-nos e tu nunca podes. Se calhar devias repensar as tuas prioridades.
Desliguei sem responder. Senti-me esmagado por todos os lados: família, amigos, trabalho. Ninguém parecia perceber o esforço que fazia para agradar a todos.
Nessa noite, quando cheguei a casa, ouvi os meus pais a discutir na sala:
— Ele não vai a lado nenhum assim! — dizia a minha mãe.
— Deixa-o! Ele tem de aprender sozinho — respondia o meu pai.
Subi as escadas devagarinho, tentando não fazer barulho. No quarto, sentei-me na cama e chorei em silêncio. Senti-me sozinho como nunca.
No fim de semana seguinte, decidi confrontar a Sofia. Liguei-lhe:
— Preciso mesmo de falar contigo. É importante.
Ela aceitou encontrar-se comigo no café da esquina. Quando cheguei, ela já lá estava, distraída com o telemóvel.
— Então? O que se passa? — perguntou sem levantar os olhos.
— Sentes que eu sou importante para ti? — perguntei de rompante.
Ela olhou-me surpreendida:
— Claro que sim! Porque perguntas isso?
— Porque sinto que só me procuras quando precisas de alguma coisa. Quando sou eu a precisar… nunca tens tempo.
Ela ficou em silêncio durante uns segundos longos demais.
— André… desculpa se te fiz sentir assim. Mas também tenho a minha vida…
Levantei-me abruptamente:
— Pois… parece que toda a gente tem tempo menos para mim.
Saí do café com o coração aos saltos e lágrimas nos olhos. Pela primeira vez na vida, percebi que estava sozinho nas minhas batalhas.
Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. No trabalho, o chefe começou a pressionar-me ainda mais:
— Se não começas a mostrar resultados, vamos ter de repensar o teu contrato.
Em casa, os meus pais evitavam falar comigo. O Ricardo vinha visitar-nos ao domingo e tudo girava à volta dele: as conquistas, os planos de casamento, as viagens ao estrangeiro.
Uma noite, depois de mais uma discussão familiar, decidi sair para caminhar pela cidade. As ruas estavam vazias e frias. Sentei-me num banco junto ao rio Tejo e olhei para as luzes da cidade refletidas na água escura.
Pensei em tudo o que tinha feito até ali: os sacrifícios para agradar aos outros, as horas perdidas à espera de quem nunca vinha, os sonhos adiados por causa das expectativas alheias.
De repente, senti uma mão no ombro. Era o João.
— Estás bem? — perguntou ele com preocupação genuína.
Contei-lhe tudo: as discussões em casa, as desilusões com amigos e família, o sentimento de inutilidade.
Ele ouviu-me em silêncio e depois disse:
— Sabes… às vezes temos de aprender a valorizar o nosso próprio tempo antes de esperar que os outros o façam.
Aquelas palavras ficaram-me gravadas na mente como um eco distante mas poderoso.
Na manhã seguinte tomei uma decisão: ia deixar de tentar agradar a todos. Ia investir o meu tempo em mim próprio e nos meus sonhos — mesmo que ninguém acreditasse neles.
Comecei por falar com os meus pais:
— Sei que não sou o filho perfeito nem tenho o percurso do Ricardo. Mas estou cansado de tentar ser alguém que não sou só para vos agradar.
A minha mãe chorou; o meu pai ficou calado durante muito tempo antes de dizer:
— Só queremos que sejas feliz…
Falei também com Sofia:
— Preciso de me afastar um pouco. Preciso de perceber quem sou sem depender dos outros.
Ela tentou argumentar mas mantive-me firme.
No trabalho pedi redução de horário para poder dedicar mais tempo à startup. O chefe não gostou mas aceitei as consequências.
Os meses seguintes foram duros mas libertadores. Perdi pessoas pelo caminho mas ganhei algo mais valioso: respeito por mim próprio e pelo meu tempo.
Hoje olho para trás e percebo que perdi anos a tentar ser importante para quem nunca me valorizou verdadeiramente. Agora sei: o nosso tempo é precioso demais para ser dado a quem não sabe recebê-lo.
E vocês? Quantas vezes já deram tudo de vocês mesmos… sem receber nada em troca? Será que vale mesmo a pena insistir quando ninguém parece importar-se? Gostava mesmo de saber o que pensam.