Hoje a minha casa já não é o vosso hotel – A decisão de uma mãe portuguesa

— Mãe, não podes fazer isto connosco! — gritou o Rui, com os olhos vermelhos, enquanto a Andreia se encolhia atrás dele, segurando a mala como se fosse um escudo.

Senti o coração a bater tão forte que temi que eles o ouvissem. O cheiro do café frio misturava-se com o perfume barato da Andreia e o suor do Rui. A minha sala, que sempre fora um refúgio, parecia agora um campo de batalha. Olhei para eles, para o meu filho e para a mulher dele, e tentei lembrar-me do tempo em que tudo era mais simples — quando o Rui era pequeno e corria para os meus braços depois de um dia difícil na escola.

Mas agora… agora era diferente. Já não era só mãe. Era uma mulher cansada, sufocada por meses — anos! — de desrespeito e ingratidão. Desde que o Rui e a Andreia perderam o emprego e vieram morar comigo, há quase dois anos, a minha vida deixou de ser minha. No início, achei que era só uma fase. “É só até arranjarem trabalho”, dizia-me eu todas as noites, enquanto ouvia as discussões deles no quarto ao lado.

— Não é justo! — insistiu o Rui. — Somos família!

— Família não é desculpa para tudo — respondi, surpreendendo-me com a firmeza da minha voz. — Vocês tratam esta casa como se fosse um hotel. Não ajudam em nada, não respeitam as minhas regras… Eu já não aguento mais.

A Andreia começou a chorar baixinho. O Rui olhou para mim como se eu fosse uma estranha. E talvez fosse mesmo. Talvez aquela mãe que sempre dizia sim tivesse morrido algures entre as contas atrasadas, os pratos sujos e as noites sem dormir.

Lembro-me do dia em que tudo começou a desmoronar. O Rui apareceu à porta com a Andreia e duas malas. “Mãe, perdemos o emprego. Só vai ser por uns tempos.” Eu abri-lhes a porta sem hesitar. Sempre fui assim: pronta para ajudar, pronta para sacrificar tudo pelos outros. Mas os meses passaram e nada mudava. O Rui passava os dias no sofá, a jogar consola ou a ver televisão. A Andreia dormia até ao meio-dia e depois desaparecia para casa da mãe dela ou para o café da esquina.

No início tentei conversar:

— Rui, tens de procurar trabalho. Não podes ficar assim.

— Ó mãe, está tudo difícil! Já mandei currículos…

Mas nunca via respostas, nunca via esforço real. E eu? Eu trabalhava no supermercado do bairro, fazia turnos duplos para pagar as contas e ainda chegava a casa para cozinhar e limpar atrás deles.

As discussões começaram a ser diárias. Pequenas coisas tornavam-se grandes guerras: uma toalha molhada no chão, comida desaparecida do frigorífico, contas de luz astronómicas porque eles deixavam tudo ligado.

Uma noite, depois de mais uma discussão sobre o dinheiro do gás, sentei-me na varanda com um cigarro (voltei a fumar depois de vinte anos) e chorei até não ter mais lágrimas. Senti-me sozinha na minha própria casa.

A gota de água foi há três dias. Cheguei do trabalho exausta e encontrei a casa num caos: pratos sujos empilhados na pia, lixo espalhado pelo chão da cozinha e o cheiro a tabaco entranhado nas cortinas novas que comprei com tanto sacrifício. O Rui estava no sofá, com os pés em cima da mesa de centro.

— Rui! Isto não pode continuar assim! — gritei.

Ele encolheu os ombros.

— Se não gostas, muda tu.

Nesse momento percebi: perdi o controlo da minha vida. Eles não eram hóspedes temporários; tinham-se tornado invasores permanentes.

Passei três noites sem dormir, a pensar no que fazer. Falei com a minha irmã, a Teresa:

— Tu tens de pensar em ti — disse ela. — O Rui já é homem feito. Não podes carregar o mundo às costas.

Mas eu sentia-me culpada só de pensar em pô-los fora de casa. Que mãe faz isso?

Hoje acordei com uma decisão tomada. Preparei-lhes o pequeno-almoço — talvez por hábito, talvez por nostalgia dos tempos felizes — e esperei que acordassem.

— Quero falar convosco — disse-lhes assim que entraram na cozinha.

O Rui bufou:

— Outra vez?

— Sim, outra vez. Mas desta vez é diferente. Quero que saiam de casa até ao fim da semana.

O silêncio caiu como uma pedra pesada entre nós. A Andreia ficou branca como cal. O Rui levantou-se tão depressa que quase derrubou a cadeira.

— Não podes fazer isto! Somos teus filhos!

— És meu filho — corrigi — mas também és adulto. E eu já dei tudo o que tinha para dar. Preciso da minha vida de volta.

Seguiram-se gritos, lágrimas e acusações:

— És egoísta!
— Só pensas em ti!
— Vais arrepender-te!

Mas eu mantive-me firme. Pela primeira vez em muitos anos senti-me dona de mim mesma.

Agora estou aqui sentada na sala vazia, rodeada pelo silêncio que tanto desejei e tanto temi ao mesmo tempo. Sinto culpa — claro que sinto! — mas também sinto alívio. Pela primeira vez em muito tempo posso ouvir os meus próprios pensamentos sem medo de ser interrompida por gritos ou pedidos.

Será que fiz bem? Será que uma mãe tem direito a escolher-se a si própria? Ou será que falhei como mãe? Sei que muitos vão julgar-me… mas será justo exigir de uma mãe que se anule completamente pelos filhos?

E vocês? O que fariam no meu lugar?