Entre Duas Mães: O Meu Coração Dividido Entre o Dever e o Amor
— Não podes continuar assim, Mariana! — a voz da minha mãe ecoava pela cozinha, enquanto eu tentava acalmar o pequeno Tomás, que chorava sem parar. — Tens de ser mais firme com a tua sogra. Ela não manda aqui!
O cheiro do café queimado misturava-se com o aroma do leite morno. O Rui, meu marido, estava sentado à mesa, de olhar perdido no telemóvel, fingindo não ouvir. Eu sentia-me esmagada entre duas forças opostas: a minha mãe, Dona Lurdes, sempre pronta a apontar o dedo, e a minha sogra, Dona Emília, que aparecia todos os dias sem avisar, trazendo conselhos e críticas embrulhados em bolos caseiros.
— Mãe, por favor… — tentei responder, mas a minha voz saiu fraca. O Tomás soluçava nos meus braços. — Eu só quero paz…
— Paz? — interrompeu ela, com aquele tom que me fazia sentir uma criança outra vez. — Paz tens quando pões ordem na tua casa!
O Rui levantou-se de repente. — Vou trabalhar — disse secamente, sem me olhar nos olhos. A porta bateu com força. Senti um nó na garganta.
Naquela manhã, tudo parecia desmoronar-se. O Tomás tinha apenas três meses e eu já sentia que estava a falhar como mãe, como mulher e como filha. As noites eram passadas em claro, entre cólicas do bebé e discussões sussurradas para não o acordar.
A minha sogra era uma presença constante. — Mariana, no meu tempo fazia-se assim… — dizia ela enquanto mexia no arroz ou dobrava a roupa do Tomás sem pedir licença. — Tens de dar banho ao menino à noite, não de manhã! E não uses essas fraldas modernas, isso é tudo químico…
Eu tentava sorrir, mas por dentro gritava. Sentia-me invadida na minha própria casa. Quando tentava impor limites, Rui ficava do lado da mãe.
— A minha mãe só quer ajudar — dizia ele, cansado. — Não compliques.
Mas quem pensava em mim? Quem via as minhas lágrimas escondidas na casa de banho? Quem percebia que eu já não sabia quem era?
As contas acumulavam-se na gaveta da entrada. O Rui tinha perdido horas no trabalho e eu estava de licença de maternidade com um salário reduzido. A tensão era palpável. Uma noite, depois de mais uma discussão sobre dinheiro e visitas inesperadas, explodi:
— Rui, eu não aguento mais! Sinto-me sozinha nesta casa! A tua mãe manda mais aqui do que eu!
Ele olhou-me como se eu fosse uma estranha. — Se não gostas, fala com ela tu! Eu não vou meter-me entre vocês.
Chorei baixinho para não acordar o Tomás. Lembrei-me de quando éramos só nós dois, felizes num pequeno apartamento em Almada, antes das famílias se intrometerem em tudo.
No dia seguinte, a minha mãe apareceu sem avisar. Encontrou-me sentada no chão da sala, rodeada de brinquedos e fraldas sujas.
— Mariana, tu estás péssima! Olha para ti! — disse ela, desapontada.
— Não consigo fazer tudo sozinha… — sussurrei.
Ela suspirou e abraçou-me pela primeira vez em meses. — Filha, tens de ser forte. Não deixes ninguém passar por cima de ti.
Mas como ser forte quando todos esperam que eu seja perfeita? Quando cada gesto é criticado? Quando até o Rui parece ter desistido de mim?
As semanas passaram e a pressão aumentou. Um dia, depois de mais uma visita da sogra e um comentário venenoso sobre “como as mães modernas não sabem nada”, fechei-me na casa de banho e olhei-me ao espelho. Não reconheci aquela mulher de olhos inchados e cabelo desgrenhado.
Peguei no telemóvel e liguei à minha amiga Inês.
— Preciso de sair daqui — disse-lhe entre lágrimas.
Ela veio buscar-me nessa tarde. Fomos até à praia da Costa da Caparica. O vento frio cortava-me a pele, mas pela primeira vez em meses senti que podia respirar.
— Mariana, tens de pensar em ti — disse ela. — Se continuares assim, vais perder-te completamente.
Olhei para o mar revolto e pensei em fugir dali para sempre. Mas depois lembrei-me do Tomás. Ele precisava de mim inteira.
Voltei para casa decidida a mudar alguma coisa. Naquela noite, sentei-me com o Rui.
— Ou isto muda ou eu vou embora com o Tomás — disse-lhe com uma firmeza que nem sabia ter.
Ele ficou em silêncio durante muito tempo. Depois chorou pela primeira vez desde que o Tomás nasceu.
— Eu também estou perdido, Mariana… Não sei como lidar com tudo isto.
Abraçámo-nos como dois náufragos num mar de incertezas.
No dia seguinte, falei com as duas mães. Disse-lhes que precisava do meu espaço, que agradecia a ajuda mas que agora era eu quem decidia pelo meu filho e pela minha família.
Houve lágrimas, gritos e portas batidas. Mas pela primeira vez senti-me dona da minha vida.
As coisas não mudaram de um dia para o outro. Ainda houve discussões, ainda houve críticas veladas e silêncios pesados à mesa do almoço de domingo. Mas comecei a reconstruir-me aos poucos.
Hoje olho para trás e vejo aquela mulher perdida e frágil com compaixão. Sei que muitas mulheres passam pelo mesmo: esmagadas entre expectativas familiares, pressões sociais e o medo de falhar.
Pergunto-me: quantas de nós já se sentiram assim? Quantas conseguiram encontrar a sua voz no meio do ruído? E vocês… já passaram por algo parecido?