O Silêncio dos Domingos: Quando a Família se Parte à Mesa
— Mãe, a Marta pediu para não vires mais aos almoços de domingo. — A voz do meu filho, o Rui, tremia, mas não olhava para mim. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocou. Senti o coração apertar, como se alguém tivesse puxado a toalha da mesa e tudo o que era meu caísse no chão.
Durante anos, os domingos foram sagrados. Era eu quem acordava cedo, punha o avental e começava a preparar o assado de borrego, como a minha mãe fazia. O cheiro espalhava-se pela casa e, quando o Rui era pequeno, vinha sempre à cozinha roubar uma batata frita antes de todos se sentarem à mesa. Depois cresceu, casou-se com a Marta e, mesmo assim, nunca deixou de vir aos domingos. Eu sabia que ela não gostava muito do meu tempero, mas sempre pensei que era só uma questão de hábito.
— Mas porquê? — perguntei, tentando controlar a voz. — O que é que eu fiz?
O Rui encolheu os ombros, como se quisesse desaparecer.
— A Marta acha que precisamos de mais espaço. Diz que os domingos estão a ser muito pesados… Que há sempre discussões.
Lembrei-me do último domingo: a Marta a reclamar porque eu dei sumo ao meu neto sem perguntar, o Rui a tentar acalmar os ânimos, eu a sentir-me cada vez mais deslocada na minha própria família. Mas eram só pequenas coisas, pensei. Pequenos atritos normais em qualquer casa portuguesa.
— Rui, eu só quero ajudar. Só quero estar convosco…
Ele suspirou.
— Eu sei, mãe. Mas precisamos de um tempo.
Fiquei ali parada na sala, com as mãos trémulas e o olhar perdido nas fotografias antigas na parede. O Rui pequenino no colo do pai, o nosso primeiro Natal juntos, a comunhão dele… Tudo parecia tão distante agora. Senti uma raiva surda crescer dentro de mim: como é que uma tradição tão nossa podia ser descartada assim?
Naquela noite não consegui dormir. Oiço ainda o tique-taque do relógio da cozinha e o eco das palavras da Marta: “A tua mãe não respeita os nossos limites.” Limites? Desde quando é que uma avó precisa de limites para amar o neto?
Na segunda-feira fui ao mercado como sempre. A dona Rosa perguntou-me:
— Então, D. Teresa, vai fazer assado este domingo?
Senti um nó na garganta.
— Não sei… Talvez não.
Ela olhou para mim com pena e eu odiei aquele olhar. Não queria ser motivo de pena. Queria ser necessária.
Os dias passaram devagar. O telefone não tocou. O silêncio dos domingos chegou como uma onda fria. Sentei-me à mesa sozinha, comi devagar, olhando para a cadeira vazia do Rui e imaginando o meu neto a brincar na sala deles sem mim.
Comecei a lembrar-me de todas as vezes em que tentei agradar à Marta: o bolo sem glúten porque ela tem alergia, as conversas sobre o trabalho dela no hospital, mesmo quando não percebia metade do que dizia. Mas nada parecia suficiente. Sempre senti que ela me via como uma intrusa.
Uma tarde, decidi ir ao parque onde costumava levar o Rui em pequeno. Sentei-me num banco e vi outras avós com os netos. Uma menina correu para abraçar a avó e senti uma pontada no peito. Porque é que comigo tinha de ser diferente?
O meu irmão António ligou-me nesse dia.
— Teresa, tens de dar tempo ao Rui. Os filhos crescem, fazem as suas vidas…
— Mas eu só queria manter a família unida — respondi-lhe, com lágrimas na voz.
— Às vezes querer demais sufoca — disse ele.
Fiquei a pensar nisso durante dias. Será que fui demasiado presente? Será que invadi o espaço deles sem perceber?
Na sexta-feira seguinte, recebi uma mensagem do Rui: “Mãe, podemos falar?”
O coração disparou. Esperei por ele com um misto de esperança e medo.
Quando chegou, parecia mais velho. Sentou-se à minha frente e ficou em silêncio durante uns segundos.
— Mãe… Eu sei que isto está a ser difícil para ti. Para mim também é. Mas preciso que percebas que agora tenho uma família minha…
— E eu? Deixo de ser família? — perguntei-lhe, sentindo as lágrimas escorrerem-me pelo rosto.
Ele pegou nas minhas mãos.
— Nunca vais deixar de ser minha mãe. Mas preciso que respeites as nossas escolhas…
— Eu só queria manter as tradições — sussurrei.
— Podemos criar novas tradições — disse ele, com um sorriso triste.
Fiquei ali sentada depois dele sair, a olhar para as mãos vazias. Lembrei-me da minha mãe quando eu casei: também ela teve de aprender a deixar-me ir. Talvez seja esse o ciclo da vida — mas dói tanto.
No domingo seguinte não fiz assado. Fui dar um passeio junto ao rio Douro e vi famílias inteiras à volta das mesas dos restaurantes. Senti inveja e tristeza ao mesmo tempo.
À noite recebi uma fotografia do meu neto a comer gelado com um sorriso enorme. A Marta escreveu: “Ele perguntou pela avó.”
Chorei sozinha na cozinha escura. Percebi que talvez ainda haja lugar para mim na vida deles — mas não como antes.
Agora pergunto-me: quantas mães e avós portuguesas sentem este vazio quando as tradições mudam? Será possível encontrar um novo lugar sem perder quem somos? Quem mais já sentiu este silêncio dos domingos?
A guerra entre nora e sogra é tão antiga como o matrimónio. É a típica guerra em que todos perdem, mas as sogras que hoje se queixam das noras já foram noras a queixar-se da sogra.
É pior quando os netos são apanhados nisso – é algo que lhes cria insegurança sem vantagem nem necessidade.
Por vezes é inultrapassável – é frequente os feitios serem tão incompatíveis que estão para lá do proteccionismo das mães aos filhos/filhas.
Não vai adiantar muito a sogra perguntar à nora (sem o neto ouvir): posso dar-lhe um gelado?
A nora não vai querer que o filho goste mais da avó do que dela.
Eu (homem) que não tenho esse tipo de inseguranças (pai de dois filhos que não me ligam pêva) continuo a pensar que não é por aí que eles vão ser conquistados, ou melhor educados.
Tenho inveja/ciúme de ver que os meus pais trataram os meus filhos com toda a tolerância e nas palminhas das mãos, quando comigo e com os meus irmãos tudo era rigidez ou as palminhas eram palmadas.
Penso que tudo faz parte do crescimento das crianças – sentirem o afecto insubstituível dos avós e sentirem a autoridade dos pais, que não é audência de afecto da parte deles.
Já vivi esses conflitos – acabaram em divórcio. Não sei se os meus filhos ganharam alguma coisa com isso.
Cada caso é um caso e não dou conselhos a ninguém.
Partilho a minha experiência – se ela servir para alguma coisa, ainda bem. Se não servir, pelo menos desabafei.
Sejam (tentem ser) felizes. E não consintam que ninguém se intrometa nisso.
Eu cuidei de duas netinhas lindas desde que nasceram. Eu fazia a comida, ensinei lhes a gostarem de comer de tudo. Eu dava banho eu as vestia, eu passeava com elas. Quando foi a vez de entrarem na escolinha eu as levava e ao fim do dia ia buscá-las. Hoje uma tem 23 anos a outra 18, cresceram tiraram os seus cursos profissionais, trabalham já têm carta e carro, mas nao namoram. Tem amigas e amigos, e eu fui ficando para trás. Sinto saudades, saudades que chega a dor no meu peito, mas sei que tem que ser assim. Mas fiz tudo para o bem delas. Hoje são dois seres humanos maravilhosas.
Já não nos vemos como antes, eu até entendo. Uma vez por semana vêm ver a vovó. Telefonam uma ou duas vezes na semana, ou enviam mensagem, mas no fim dizem sempre ” Amo-te muito vovó ” esta palavra ( Amo-te)para mim é muito importante. Mas todos os dias tenho saudades, porque eu as amo muito. Assim é a minha história de vovó. ❤️