Quando o Meu Avô Escolheu a Vizinha em Vez da Família: Uma História de Ruptura e Dor
— Não me peças para escolher, Inês. Já não sou o mesmo homem — disse o meu avô, com a voz embargada, enquanto olhava para o chão da sala, onde tantas vezes joguei ao berlinde em criança.
O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocava. Eu queria gritar, queria perguntar-lhe como podia virar-nos as costas assim, depois de tudo o que passámos juntos. Mas as palavras ficaram presas na garganta, esmagadas pelo nó que se formava cada vez que pensava na minha avó e no vazio que ela deixou.
A verdade é que nunca fomos uma família perfeita. O meu pai sempre foi distante, a minha mãe tentava manter tudo unido com festas de aniversário e jantares de domingo, mas havia sempre uma tensão no ar, como se todos estivéssemos à espera que algo corresse mal. A minha avó era o pilar. Era ela quem nos fazia rir, quem sabia exatamente como acalmar o meu irmão quando ele tinha ataques de raiva, quem fazia arroz doce nos natais e me deixava lamber a colher.
Quando a avó morreu, foi como se a casa tivesse perdido a cor. O meu avô ficou irreconhecível: calado, ausente, a olhar para fotografias antigas como se procurasse respostas. Tentámos tudo — convites para jantar, visitas inesperadas, até lhe oferecemos um cão — mas ele parecia cada vez mais longe.
Foi então que começou a passar mais tempo com a Dona Teresa, a vizinha do rés-do-chão. Sempre achei que ela era simpática, mas nunca imaginei que pudesse ser mais do que isso. Lembro-me de um dia ter ouvido a minha mãe sussurrar para o meu pai:
— Achas normal ele estar tanto tempo com aquela mulher? Ainda mal passou um ano desde que a mãe morreu…
O meu pai encolheu os ombros, como sempre fazia quando não queria enfrentar um problema. Eu fingi não ouvir, mas aquela frase ficou-me na cabeça.
As semanas passaram e o avô começou a recusar os nossos convites. Quando íamos lá a casa, encontrávamos sempre a Dona Teresa: ora a fazer chá, ora a arrumar as plantas do terraço. Um dia, cheguei sem avisar e ouvi-os a rir na cozinha. O riso dele era diferente — leve, quase juvenil. Senti uma pontada de ciúmes e raiva. Como podia ele rir assim quando nós estávamos todos partidos?
A notícia do casamento chegou como uma bomba. A minha mãe chorou durante dias. O meu irmão partiu uma cadeira contra a parede. Eu fechei-me no quarto e escrevi cartas à minha avó que nunca cheguei a enviar.
No dia do casamento, recusei-me a ir. O meu pai foi por obrigação, mas voltou cedo e não disse uma palavra durante o jantar. A Dona Teresa tornou-se oficialmente parte da nossa família — pelo menos no papel. Mas para mim, ela era apenas a mulher que roubou o meu avô.
Os meses seguintes foram um desfile de silêncios constrangedores e discussões abafadas. O avô deixou de vir aos nossos almoços de domingo. No Natal, enviou-nos um postal assinado por ele e pela Dona Teresa. Senti-me traída, como se tivesse sido trocada por alguém de fora.
A minha mãe tentou manter as aparências:
— Ele tem direito a ser feliz… — dizia ela, mas os olhos dela diziam outra coisa.
O meu irmão cortou relações completamente. Eu tentei falar com o avô várias vezes, mas ele evitava-me ou respondia com frases vagas:
— A vida é curta demais para viver no passado, Inês.
Mas eu não conseguia esquecer. Cada vez que passava pela casa deles e via as cortinas novas ou ouvia música vinda da janela aberta, sentia uma raiva surda crescer dentro de mim.
Um dia, decidi confrontá-lo. Esperei por ele à porta do prédio e quando apareceu, sozinho, agarrei-lhe no braço:
— Porque é que nos deixaste? Nós somos a tua família!
Ele olhou-me nos olhos e vi ali uma tristeza profunda:
— Vocês são tudo para mim, mas eu estava sozinho… Tão sozinho que pensei que ia morrer de tristeza. A Teresa ajudou-me a voltar a sentir alguma coisa.
— E nós? Não éramos suficientes?
Ele suspirou:
— Não se trata disso. Às vezes precisamos de alguém que nos veja como somos agora, não como fomos antes.
Fiquei sem resposta. Senti-me egoísta por querer prendê-lo à nossa dor, mas também não conseguia perdoar-lhe por ter seguido em frente tão depressa.
Os anos passaram e as feridas foram ficando menos visíveis, mas nunca sararam completamente. A Dona Teresa tentou aproximar-se — ofereceu bolos no Natal, convidou-nos para almoços — mas eu nunca consegui aceitar verdadeiramente aquela nova realidade.
Quando o avô adoeceu, foi ela quem ficou ao lado dele noite após noite no hospital. Fui visitá-lo uma vez antes do fim. Ele sorriu-me com ternura e apertou-me a mão:
— Perdoa-me, Inês. Só queria ser feliz outra vez.
Chorei tudo o que tinha para chorar naquele momento. Quando ele partiu, senti um vazio ainda maior do que quando perdi a minha avó.
Agora olho para trás e pergunto-me: teria feito diferente? Teria conseguido aceitar mais cedo? Ou será que há dores que nunca se curam?
E vocês? Já sentiram esta mistura de raiva e saudade? Como se perdoa alguém que amamos quando sentimos que fomos deixados para trás?