Quando a Minha Filha Me Pediu para Ficar: Descobertas Entre Quatro Paredes

— Mãe, podes vir cá para casa esta semana? — A voz da Mariana tremia ao telefone, e eu soube logo que não era só cansaço. — O Tomás anda impossível e o Rui tem trabalhado até tarde…

Aceitei sem hesitar. Afinal, o que é uma semana na vida de uma avó? Preparei a mala, pus o pijama preferido do Tomás e um livro de histórias antigas. Mas assim que entrei naquele apartamento em Benfica, senti o peso do ar. O Rui mal me cumprimentou, Mariana sorriu com os olhos vermelhos e Tomás correu para o meu colo como se fugisse de um incêndio invisível.

Na primeira noite, ouvi-os discutir na cozinha. Não era a primeira vez que presenciava discussões entre eles, mas nunca tinham sido tão baixas, tão cruas. — Não aguento mais esta pressão! — gritou Mariana. — Achas que é fácil estar aqui sozinha com tudo em cima de mim?

O Rui respondeu num tom frio: — Eu também trabalho! Não posso fazer milagres. Se não fosse a tua mãe, nem sei…

Fingi não ouvir, mas o Tomás acordou a chorar. Sentei-me ao lado dele, acariciei-lhe o cabelo e sussurrei: — Está tudo bem, meu amor. A avó está aqui.

No dia seguinte, tentei ajudar como podia: preparei o pequeno-almoço, levei o Tomás ao parque, arrumei a casa. Mariana estava sempre ausente, perdida nos próprios pensamentos. Uma vez apanhei-a a chorar no quarto, sentada na beira da cama com as mãos na cabeça.

— Mariana, filha… — aproximei-me devagar.

Ela limpou as lágrimas rapidamente. — Desculpa, mãe. Não queria que visses isto.

— O que se passa? — perguntei, sentando-me ao lado dela.

— Sinto-me sozinha. O Rui já nem fala comigo. Só discutimos ou ignoramo-nos. E o Tomás sente tudo…

Abracei-a como quando era pequena e caía da bicicleta. Mas agora era diferente: não havia joelho esfolado para limpar, nem penso rápido que resolvesse aquilo.

Ao jantar, tentei puxar conversa. — O Tomás hoje portou-se tão bem no parque! Até fez um amigo novo.

O Rui olhou para mim de soslaio. — Ainda bem que alguém tem tempo para essas coisas.

Mariana largou os talheres com força. — Queres dizer que eu não faço nada? Que sou má mãe?

— Eu não disse isso! — respondeu ele, já a voz a subir.

O Tomás começou a chorar outra vez. Peguei nele ao colo e levei-o para o quarto. Senti-me impotente. Não era só uma questão de ajudar com o neto; era uma família a desmoronar-se à minha frente.

Nessa noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me na sala escura. Oiço os passos do Rui atrás de mim.

— Dona Teresa… desculpe se pareço ingrato. Só estou cansado. O trabalho está uma confusão e…

— Eu sei, Rui. Mas a Mariana também está cansada. E o Tomás sente tudo isto.

Ele suspirou fundo. — Eu amo-os, mas às vezes sinto que estou a falhar em tudo.

— Todos falhamos, Rui. O importante é não desistir de tentar.

No dia seguinte, Mariana pediu-me para ir buscar o Tomás à escola porque precisava de ir ao médico. Quando voltou, estava pálida.

— Mãe… — hesitou — Fui ao médico porque ando a dormir mal há meses. Ele diz que estou com ansiedade e talvez depressão.

Senti um nó no estômago. Nunca imaginei ver a minha filha assim: frágil, perdida.

— Mariana, tens de pedir ajuda ao Rui. Não podes carregar isto sozinha.

Ela abanou a cabeça. — Ele não entende. Diz sempre que é só uma fase.

Nessa noite, depois de todos irem dormir, sentei-me à janela do quarto de hóspedes e chorei baixinho. Senti-me culpada por não ter percebido antes, por ter achado que bastava contar histórias ao Tomás para resolver tudo.

No penúltimo dia da minha estadia, decidi intervir. Depois do jantar, pedi para falarmos todos juntos.

— Sei que não tenho o direito de me meter na vossa vida — comecei — mas amo-vos demais para ficar calada.

O Rui cruzou os braços; Mariana olhou para o chão.

— Vocês precisam de ajuda. Não é vergonha nenhuma pedir apoio psicológico ou falar com alguém fora da família. O Tomás precisa dos pais bem… e vocês precisam um do outro.

Houve silêncio. Depois o Rui falou:

— Talvez tenhas razão… Eu próprio ando à beira de um ataque de nervos.

Mariana chorou em silêncio e eu abracei-a outra vez.

No último dia, quando fechei a mala para voltar para casa, senti um misto de alívio e tristeza. Mariana agradeceu-me baixinho: — Obrigada por estares aqui…

Olhei para ela e para o Tomás a brincar no tapete e perguntei-me: será que fiz o suficiente? Será que alguma vez conseguimos ser o apoio que os nossos filhos precisam? Ou será que também nós precisamos de aprender a pedir ajuda?