O Verão em Que o Meu Marido Voltou ao Passado

“Vais mesmo deixar que ele faça isso? Vais ficar aí sentada à espera que ele volte?” A voz da minha irmã, Inês, ecoava pela cozinha enquanto eu mexia distraidamente o café. O cheiro amargo misturava-se com a angústia no meu peito. “Eu não sei o que fazer, Inês. Por um lado, é absurdo. Mas por outro… é a filha dele. Como é que eu posso proibir um pai de estar com a filha?”

Ela suspirou, impaciente. “Mas com a ex-mulher? Durante semanas? Em Vila Nova de Milfontes, naquela casa onde eles passaram todos os verões juntos? Não achas estranho?”

Eu achava. Claro que achava. Mas Miguel tinha sido tão convincente quando me explicou: “Entende, Rita. Preciso de manter contacto com a Teresa. A Leonor precisa de ver os pais juntos, pelo menos durante as férias. Não quero que ela cresça a sentir-se dividida.”

A Leonor tinha oito anos e era uma menina doce, de olhos grandes e curiosos. Sempre gostei dela, mesmo antes de casar com o Miguel. Mas Teresa… Teresa era outra história. Sempre elegante, sempre controlada, sempre a lembrar-me que ela esteve ali primeiro. E agora, depois de dois anos de casamento, Miguel queria passar o verão inteiro com elas.

“É só pelas férias da Leonor,” repetiu ele, quando tentei argumentar. “Não tem nada a ver contigo ou comigo. É pela nossa filha.”

A palavra “nossa” ficou-me atravessada na garganta. Eu não era mãe da Leonor, mas cuidava dela como se fosse minha quando estava connosco. E agora sentia-me como uma intrusa na minha própria vida.

As semanas passaram devagar. O calor do verão parecia sufocar-me ainda mais dentro daquele apartamento vazio em Lisboa. As mensagens do Miguel eram curtas: “Hoje fomos à praia.” “A Leonor está feliz.” “A Teresa fez arroz de polvo como tu gostas.” Cada palavra era uma faca.

Inês não me largava: “Rita, tu tens de fazer alguma coisa. Vai lá abaixo, aparece de surpresa! Vê com os teus próprios olhos!”

Mas eu não queria ser essa pessoa. Não queria ser a mulher ciumenta, insegura, desconfiada. Queria confiar no Miguel. Queria acreditar que ele estava ali só pela filha.

Até ao dia em que vi uma foto no Facebook da Teresa: os três juntos, sorridentes, como uma família perfeita. O Miguel tinha o braço à volta dela e a Leonor no colo. Senti o chão fugir-me dos pés.

Liguei-lhe nessa noite, a voz trémula: “Miguel, precisamos de falar.”

Ele suspirou do outro lado da linha: “Rita, por favor… Não compliques mais as coisas. Estou aqui pela Leonor. Só isso.”

“Então porque é que pareces tão feliz nas fotos? Porque é que nunca tens tempo para falar comigo? Porque é que sinto que estou a perder-te?”

Houve silêncio. Depois ele disse: “Não estás a perder-me. Só preciso de tempo para a Leonor perceber que pode confiar em nós os dois.”

Desliguei antes que começasse a chorar.

Os dias seguintes foram um tormento. Comecei a duvidar de tudo: do amor do Miguel, da minha capacidade de lidar com aquela família partida, do meu próprio valor.

A minha mãe tentou acalmar-me: “Filha, os homens são assim… Acham sempre que podem resolver tudo sozinhos. Dá-lhe espaço. Se for teu, volta para ti.” Mas eu já não sabia se queria esperar sentada.

Numa noite quente de agosto, fiz as malas e fui até Milfontes sem avisar ninguém. O coração batia descompassado enquanto estacionava junto à casa branca com portadas azuis.

Ouvi risos vindos do jardim. Aproximei-me devagar e vi-os: Miguel e Teresa sentados lado a lado numa manta, Leonor entre eles a comer melancia e a rir-se das histórias do pai.

Fiquei ali parada, escondida atrás do portão, a observar aquela cena familiar que nunca seria minha.

De repente, Teresa levantou-se e viu-me. Os nossos olhares cruzaram-se e ela sorriu – um sorriso frio, quase triunfante.

“Rita! Que surpresa! Vens juntar-te a nós?”

Miguel virou-se e ficou pálido ao ver-me ali.

“O que estás aqui a fazer?” perguntou ele, num tom baixo.

“Vim ver-te,” respondi, tentando controlar as lágrimas.

Leonor correu até mim e abraçou-me com força: “Rita! Que bom que vieste!”

O abraço dela foi como um bálsamo na ferida aberta do meu coração.

Sentámo-nos todos à mesa para jantar – um jantar estranho, cheio de silêncios e olhares furtivos.

Depois de pôr Leonor na cama, Miguel veio ter comigo à varanda.

“Não devias ter vindo assim,” disse ele.

“E tu não devias ter-me deixado sozinha todo este tempo,” respondi.

Ele passou as mãos pelo cabelo, nervoso: “Isto é complicado para mim também… Eu e a Teresa temos uma história. Mas acabou. Só estamos aqui pela Leonor.”

Olhei-o nos olhos: “E eu? Onde fico eu no meio disto tudo?”

Ele não respondeu.

Nessa noite dormi mal, ouvindo os passos deles pela casa antiga, os risos abafados na cozinha.

No dia seguinte, Teresa sugeriu irmos todos à praia juntos – como se fôssemos uma família feliz e moderna.

Na areia quente, vi Miguel ajudar Teresa a montar o chapéu-de-sol enquanto Leonor brincava comigo à beira-mar.

Senti-me deslocada, como se fosse uma convidada indesejada na vida deles.

Quando voltámos para casa, decidi confrontar Teresa.

“Porque é que fazes isto? Porque é que insistes em manter o Miguel tão perto?”

Ela sorriu com superioridade: “Porque ele é o pai da minha filha. E porque tu nunca vais perceber o que nos une – nem mesmo depois de tudo o que passaram juntos.”

Fiquei sem palavras.

Naquela noite fiz as malas em silêncio e voltei para Lisboa sem dizer adeus.

Miguel ligou-me várias vezes nos dias seguintes mas eu não atendi.

Precisava de tempo para pensar – para perceber se queria continuar a lutar por alguém que talvez nunca fosse realmente meu.

O verão acabou e Miguel voltou para casa como se nada tivesse acontecido.

Sentou-se ao meu lado no sofá e pegou na minha mão: “Desculpa por tudo isto. Não sei como gerir esta família partida… Mas amo-te. Quero ficar contigo.”

Olhei para ele durante muito tempo antes de responder: “E se um dia tiveres de escolher entre mim e o passado? Vais conseguir fazê-lo?”

Ele não respondeu imediatamente – e talvez nunca venha a responder.

Agora pergunto-me: quantas mulheres vivem presas entre o presente e o passado dos homens que amam? Quantas vezes sacrificamos a nossa paz para manter uma família unida que nunca será verdadeiramente nossa?

E vocês? O que fariam no meu lugar?