Entre o Amor de Mãe e o Silêncio do Meu Filho: Uma História de Perdas e Esperança

— Diogo, por favor, atende o telefone! — implorei pela terceira vez naquela manhã, com a voz embargada e o coração apertado. O silêncio do outro lado era ensurdecedor. O telemóvel vibrava na minha mão, mas nenhuma resposta vinha. Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto, misturando-se com a raiva e a impotência que me consumiam.

Nunca imaginei que chegaria a este ponto. Eu, Maria do Carmo, mãe solteira desde que o pai do Diogo nos deixou para ir viver com outra mulher em Braga, sempre fiz tudo pelo meu filho. Trabalhei noites inteiras como enfermeira no Hospital de Santa Maria para garantir que nada lhe faltasse. Vi-o crescer, vi-o chorar, vi-o sorrir. E agora, vejo-o afastar-se de mim por causa de uma mulher.

Tudo começou há dois anos, quando Diogo conheceu a Inês na faculdade. No início, parecia uma rapariga simpática, mas depressa percebi que havia algo nela que me deixava inquieta. Era fria, distante, e parecia sempre querer isolar o Diogo dos amigos e da família. Quando terminaram pela primeira vez, vi o meu filho desfeito em lágrimas, fechado no quarto durante dias. Prometeu-me que nunca mais voltaria a cair naquela armadilha.

Mas o tempo passou e, como tantas vezes acontece, o coração falou mais alto do que a razão. Há três meses, Diogo apareceu em casa com um sorriso nervoso e anunciou:

— Mãe, voltei com a Inês.

Senti um aperto no peito. Tentei esconder a preocupação, mas não consegui evitar perguntar:

— Tens a certeza? Depois de tudo o que ela te fez passar?

Ele olhou-me nos olhos, magoado:

— Mãe, tu nunca gostaste dela! Não podes simplesmente apoiar-me?

Aquela frase ficou a ecoar na minha cabeça durante dias. Apoiar? Como posso apoiar uma relação que só lhe trouxe dor? Mas tentei. Convidei-os para jantar cá em casa, fiz o prato preferido dele — bacalhau à Brás — e tentei ser cordial. Inês mal falou comigo durante toda a noite. No final, Diogo saiu apressado atrás dela, deixando-me sozinha à mesa.

As semanas seguintes foram um tormento. As mensagens do Diogo tornaram-se cada vez mais espaçadas. Já não vinha almoçar aos domingos. Quando ligava, atendia com pressa:

— Estou ocupado, mãe. Depois ligo-te.

Mas nunca ligava.

Uma noite, não aguentei mais e fui até ao apartamento dele em Benfica. Bati à porta com força. Inês abriu, olhou-me de cima a baixo e disse:

— O Diogo está ocupado.

— Quero falar com o meu filho — insisti.

Ela revirou os olhos e chamou-o. Quando ele apareceu à porta, vi nos seus olhos um misto de vergonha e irritação.

— O que é que estás aqui a fazer?

— Preciso de falar contigo — disse-lhe baixinho.

Ele suspirou:

— Não podes simplesmente confiar em mim? Eu sei o que estou a fazer.

— És meu filho! Só quero o teu bem!

— Pois então respeita as minhas escolhas! — gritou ele, fechando a porta na minha cara.

Voltei para casa desfeita. Passei a noite em claro, revendo cada momento da nossa vida juntos: os passeios no Jardim da Estrela quando ele era pequeno, as noites em que lhe lia histórias para adormecer, os abraços apertados depois dos exames difíceis… Como é que tudo isto se perdeu?

No trabalho, as colegas começaram a notar o meu ar abatido.

— Maria do Carmo, está tudo bem? — perguntou a Teresa, enquanto tomávamos café na copa do hospital.

— O Diogo… ele afastou-se de mim — confessei.

Ela pousou a mão sobre a minha:

— Os filhos crescem… às vezes precisam de espaço para errar sozinhos.

Mas como aceitar isso? Como aceitar ver o meu único filho afastar-se por causa de alguém que não lhe faz bem?

Os dias passaram e o silêncio tornou-se insuportável. No Natal, preparei tudo como sempre: árvore decorada, rabanadas quentinhas, presentes embrulhados com carinho. Esperei por ele até à meia-noite. Nunca apareceu. Mandei-lhe uma mensagem:

“Feliz Natal, filho. Amo-te sempre.”

Viu a mensagem mas não respondeu.

Na véspera de Ano Novo, sentei-me sozinha na varanda com um copo de vinho tinto e olhei para as luzes da cidade. Senti-me mais sozinha do que nunca. Perguntei-me onde tinha falhado como mãe. Será que fui demasiado protetora? Será que devia ter aceitado melhor as escolhas dele?

No início de janeiro recebi uma chamada inesperada da minha irmã Helena.

— Maria do Carmo, ouvi dizer que o Diogo anda diferente…

Desabafei tudo com ela ao telefone. Helena sugeriu que desse tempo ao tempo:

— Ele vai perceber quem está sempre ao lado dele.

Mas cada dia sem notícias era uma ferida aberta.

Um domingo à tarde decidi ir à missa da paróquia onde costumávamos ir juntos quando ele era pequeno. Sentei-me no banco de trás e rezei em silêncio:

“Deus, devolve-me o meu filho… Dá-me forças para não desistir dele.”

No final da missa encontrei a Dona Amélia, vizinha de longa data.

— Maria do Carmo, vi o Diogo outro dia no café com aquela rapariga… Parecia triste.

O coração apertou-se ainda mais. Será que ele também estava a sofrer?

Na semana seguinte recebi uma mensagem inesperada:

“Mãe, preciso de tempo para mim. Não quero falar agora. Por favor respeita isso.”

Li aquelas palavras vezes sem conta. Chorei como há muito não chorava. Mas decidi respeitar o pedido dele. Não liguei mais. Não enviei mensagens. Apenas esperei.

Os meses passaram devagarinho. Fui tentando reconstruir a minha vida: voltei a fazer caminhadas ao fim da tarde no Parque Eduardo VII, inscrevi-me num curso de pintura na junta de freguesia e comecei a sair mais com as colegas do hospital.

Mas todos os dias pensava nele. Todos os dias sentia falta do seu abraço.

Um dia, ao sair do supermercado com as compras na mão, ouvi alguém chamar por mim:

— Mãe!

Virei-me e vi o Diogo parado à minha frente. Estava mais magro, olheiras fundas e um olhar triste.

— Podemos falar? — perguntou ele.

O coração quase me saltou do peito.

Sentámo-nos num banco do jardim ali perto. Ele ficou em silêncio durante uns minutos antes de começar:

— Desculpa ter-te afastado assim… Eu achei que estava a fazer o melhor para mim… Mas percebi que estava a perder quem realmente me ama.

As lágrimas correram-nos pelo rosto aos dois.

— Só quero que sejas feliz — disse-lhe entre soluços.

Ele sorriu pela primeira vez em muito tempo:

— Também quero isso para ti…

Abraçámo-nos ali mesmo, no meio do jardim, sem vergonha das lágrimas ou dos olhares alheios.

Hoje ainda não sei se algum dia vou aceitar completamente as escolhas do meu filho ou se ele vai conseguir ser feliz ao lado da Inês. Mas aprendi que às vezes amar é saber esperar e confiar no tempo.

Será que fiz bem em dar-lhe espaço? Ou devia ter lutado mais por ele? Quantas mães já passaram por isto? Gostava tanto de ouvir as vossas histórias…