O Segredo do Meu Marido: Entre a Fé e a Traição
— Vais outra vez, António? — perguntei, tentando não soar desconfiada, mas a minha voz tremia ligeiramente. Ele já estava de casaco vestido, as chaves na mão, pronto para sair.
— Sim, Maria. A missa começa às seis. Preciso disto — respondeu sem me olhar nos olhos, como se as palavras pesassem mais do que o habitual.
Desde a Páscoa, António mudara. Sempre foi um homem de rotinas, mas nunca de fé. Agora, todos os dias às 17h30, saía de casa para ir à igreja. No início, achei estranho, mas depois convenci-me de que era uma fase. “Depois dos cinquenta, os homens começam a pensar na alma”, dizia para mim mesma, tentando justificar o inexplicável.
Mas havia algo no seu olhar, uma inquietação que não combinava com o conforto espiritual que dizia procurar. Começou a falar mais sobre fé, sobre o peso da vida, sobre a necessidade de se purificar. Achei que era um daqueles famosos “crises de meia-idade”. Até lhe comprei um terço novo e sugeri que levasse o nosso filho Miguel consigo. Ele recusou.
— Preciso de estar sozinho com Deus — disse-me uma noite, com uma voz tão baixa que quase não ouvi.
Os dias passaram e a rotina manteve-se. Eu tentava não pensar muito nisso, mas a dúvida começou a crescer dentro de mim como uma erva daninha. As conversas tornaram-se mais curtas, os olhares mais fugidios. Uma noite, enquanto jantávamos em silêncio, Miguel perguntou:
— Pai, porque é que nunca me levas contigo à igreja?
António sorriu-lhe de forma estranha e respondeu:
— A fé é uma coisa pessoal, filho. Quando fores mais velho vais perceber.
Miguel encolheu os ombros e voltou ao telemóvel. Mas eu não consegui engolir aquela resposta.
Comecei a reparar em pequenos detalhes: o perfume diferente na roupa dele quando voltava da igreja, as mensagens no telemóvel que ele rapidamente apagava, o nervosismo sempre que eu me aproximava do seu lado da cama. Uma noite, enquanto ele tomava banho, não resisti e peguei no seu telemóvel. O código era o mesmo de sempre — 1972 — o ano em que nasceu.
Havia mensagens recentes de um número desconhecido: “Vejo-te daqui a pouco”, “Hoje estava linda”, “Sinto falta dos teus abraços”. O meu coração disparou. Senti-me tonta, como se o chão me tivesse fugido dos pés.
Quando ele saiu da casa de banho, tentei agir normalmente. Mas dentro de mim tudo estava em ebulição. Passei a noite em claro, a olhar para o teto do quarto escuro, a tentar perceber onde tinha falhado.
No dia seguinte, decidi segui-lo. Esperei que ele saísse e fui atrás dele discretamente. O caminho era o mesmo: rua abaixo até à igreja de São João Baptista. Mas ele não entrou pela porta principal. Contornou o edifício e entrou por uma porta lateral.
Esperei alguns minutos e aproximei-me devagar. Ouvi vozes abafadas vindas do interior da sacristia. Reconheci a voz dele e outra feminina, doce mas firme.
— António, tens de decidir o que queres — dizia ela.
— Eu não sei… Não quero magoar a Maria nem o Miguel — respondeu ele, num tom desesperado.
— Mas também não podes continuar assim. Isto não é justo para ninguém.
O meu corpo tremia todo. Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto antes mesmo de perceber que estava a chorar. Afastei-me dali antes que alguém me visse.
Passei o resto do dia num estado de torpor. Quando António chegou a casa, tentei confrontá-lo:
— Estiveste mesmo na missa hoje?
Ele hesitou por um segundo demasiado longo.
— Claro que sim! Porque perguntas?
Olhei-o nos olhos e vi ali uma sombra que nunca tinha visto antes.
— António… se há alguma coisa que me queiras contar… — tentei começar.
Ele desviou o olhar e murmurou:
— Não é nada, Maria. Só ando cansado.
A partir desse dia, tudo mudou entre nós. Eu já não conseguia confiar nele e ele parecia cada vez mais distante. As noites tornaram-se frias e longas; os dias eram apenas uma sucessão de silêncios constrangedores.
Uma semana depois, decidi confrontá-lo com tudo o que sabia. Esperei que Miguel estivesse a dormir e sentei-me com António na sala.
— Sei que tens alguém — disse-lhe sem rodeios.
Ele ficou pálido como a cal das paredes.
— Maria… eu… — tentou falar, mas as palavras ficaram-lhe presas na garganta.
— Quem é ela? — insisti.
Ele baixou a cabeça e murmurou:
— É a Ana Paula… A catequista da paróquia.
Senti um misto de raiva e alívio por finalmente ter um nome para aquela dor. Levantei-me num impulso e gritei:
— Como foste capaz? Depois de tudo o que passámos juntos? Depois de vinte e cinco anos de casamento?
Ele chorou como nunca o tinha visto chorar antes. Disse-me que se sentia perdido, vazio, que procurava algo que já não sabia encontrar em casa. Que Ana Paula lhe dava atenção, ouvia-o, fazia-o sentir-se vivo outra vez.
Durante semanas vivi num limbo entre o ódio e a compaixão. Miguel percebeu que algo estava errado e começou a ter más notas na escola. A minha mãe ligava todos os dias a perguntar porque é que eu andava tão calada. As vizinhas começaram a cochichar sempre que eu passava na rua.
Uma noite, depois de mais uma discussão acesa com António, sentei-me sozinha na varanda e olhei para as luzes da cidade ao longe. Perguntei-me onde tinha ido parar aquela felicidade simples dos primeiros anos de casamento; onde é que nos tínhamos perdido pelo caminho.
Acabei por pedir-lhe para sair de casa durante uns tempos. Precisava de espaço para pensar, para respirar sem sentir aquele peso constante no peito.
Miguel chorou quando soube da decisão. Disse-me:
— Mãe, porque é que as pessoas deixam de se amar?
Não soube responder-lhe. Talvez nunca venha a saber.
Hoje vivo sozinha com Miguel num apartamento pequeno em Vila Nova de Gaia. António liga-nos todos os domingos para saber como estamos. Diz que sente saudades, mas eu já não sei se acredito nele ou se apenas sinto pena do homem em quem ele se tornou.
Às vezes pergunto-me: será possível perdoar uma traição destas? Ou será que certas feridas nunca cicatrizam verdadeiramente? E vocês? O que fariam no meu lugar?