A Verdade Sobre o Meu Irmão: Segredos de Família em Lisboa

“Se quer mesmo saber a verdade sobre o seu irmão, venha ter comigo. Mas não diga nada aos seus pais.”

Li a mensagem outra vez, com as mãos a tremer. O número era desconhecido, o perfil do WhatsApp sem fotografia, criado há poucos dias. Mas o texto tinha o meu nome completo, escrito sem erros: Mariana Silva. O coração batia-me tão forte que temi que a minha mãe, sentada na sala a ver a novela, pudesse ouvir.

O meu irmão, o Diogo… O que poderia haver para saber sobre ele? Desde pequeno que era o filho perfeito: notas altas, educado, sempre pronto a ajudar. Eu era a rebelde, a que discutia com os pais, a que sonhava sair de casa e fugir para Londres. Mas Diogo? Ele era o orgulho da família Silva, o exemplo que eu nunca consegui igualar.

“Mariana, vens jantar?” – gritou a minha mãe da cozinha.

“Já vou!” – respondi, tentando esconder o pânico na voz.

Fui até à casa de banho e fechei a porta à chave. Sentei-me na tampa da sanita e reli a mensagem. Quem seria aquela mulher? E porquê agora? O Diogo estava em Madrid há dois anos, a trabalhar numa consultora. Falávamos pouco, mas ele parecia feliz. Ou talvez não… Lembrei-me das últimas chamadas: evasivo, cansado, sempre com pressa.

Respondi à mensagem: “Quem é você? O que quer dizer com ‘a verdade’?”

A resposta veio quase de imediato: “Encontre-me amanhã às 18h no Miradouro de Santa Catarina. Não traga ninguém.”

O Miradouro… Era um sítio especial para mim e para o Diogo. Quando éramos miúdos, íamos lá ver o pôr-do-sol e comer gelados. Senti um arrepio. Aquela pessoa conhecia-nos mesmo.

No jantar, mal consegui engolir a sopa. O meu pai falava sobre futebol, a minha mãe reclamava do preço do peixe no mercado. Olhei para eles e senti uma pontada de culpa. O que estaria prestes a descobrir? E se fosse algo terrível?

Naquela noite quase não dormi. Sonhei com o Diogo perdido numa rua escura, a chamar por mim. Acordei suada, com lágrimas nos olhos.

No dia seguinte, inventei que ia estudar com uma amiga e apanhei o autocarro para Santa Catarina. O céu estava cinzento, ameaçava chover. Sentei-me num banco e esperei. Passaram dez minutos, vinte… Até que uma mulher de cabelo curto e casaco vermelho se aproximou.

“Mariana?” – perguntou baixinho.

Assenti, desconfiada.

“Chamo-me Vera. Trabalho com o seu irmão em Madrid.”

O coração deu um salto.

“Ele está bem?”

Vera hesitou. “Não sei como dizer isto… O Diogo está metido em problemas sérios. Ele pediu-me para não contar nada à família, mas eu não consigo ficar calada.”

Senti as pernas fraquejarem.

“Que tipo de problemas?”

Ela olhou em volta antes de continuar: “Há meses que ele anda estranho. Faltas ao trabalho, mentiras… Descobri que ele está envolvido com pessoas perigosas. Dívidas de jogo, Mariana. E não são pequenas.”

Fiquei sem ar.

“Isso não pode ser verdade! O Diogo nunca…”

Vera interrompeu-me: “Eu também pensei isso. Mas tenho provas.” Tirou do bolso um envelope e entregou-mo. Lá dentro estavam cópias de mensagens trocadas entre o Diogo e alguém chamado ‘Rui’. Falavam de apostas, ameaças veladas, transferências de dinheiro.

“Ele pediu-me dinheiro emprestado várias vezes”, continuou Vera. “E agora desapareceu há três dias. Não atende chamadas, não responde às mensagens.”

Senti um nó na garganta.

“Porque me está a contar isto?”

Vera suspirou: “Porque gosto dele. E porque acho que só você pode ajudá-lo.”

Fiquei ali sentada muito tempo depois de Vera se ir embora, com o envelope nas mãos e o mundo a desabar à minha volta.

Quando cheguei a casa, fechei-me no quarto e liguei ao Diogo. Caixa de correio. Tentei outra vez. Nada. Mandei-lhe uma mensagem: “Diogo, por favor liga-me. Preciso falar contigo.”

Durante dias vivi num limbo. Ia às aulas como um fantasma, evitava os meus pais, lia e relia as mensagens do envelope até saber cada palavra de cor.

Uma noite ouvi os meus pais discutirem baixinho na cozinha.

“O Diogo não atende… Estou preocupada”, dizia a minha mãe.

“O rapaz está ocupado! Trabalha muito”, respondia o meu pai, tentando soar calmo.

Mas eu via nos olhos deles o mesmo medo que sentia em mim.

Finalmente, ao fim de uma semana sem notícias, recebi uma chamada com indicativo espanhol.

“Mariana?” – era o Diogo, com voz rouca.

“Diogo! Onde estás? O que se passa contigo?”

Silêncio do outro lado.

“Preciso de ajuda”, murmurou ele finalmente. “Mas não digas nada aos pais.”

Ouvia-se barulho de fundo – vozes em espanhol, carros a passar.

“Diz-me onde estás! Vou ter contigo!”

“Não podes vir… É perigoso.”

“Diogo, por favor! Fala comigo!”

Ele suspirou: “Meti-me numa alhada grande demais… Não sei como sair disto.”

A ligação caiu antes que pudesse responder.

Na manhã seguinte tomei uma decisão: ia contar tudo aos meus pais. Não podia carregar aquele peso sozinha.

Chamei-os à sala e mostrei-lhes as mensagens e o envelope da Vera. A minha mãe desatou a chorar; o meu pai ficou branco como cal.

“Como é possível? O nosso filho…”

Senti-me culpada por lhes ter destruído as certezas, mas sabia que era preciso agir.

Contactámos a polícia portuguesa e espanhola. Foram dias de angústia e espera interminável.

Finalmente recebemos notícias: o Diogo tinha sido encontrado num hospital em Madrid – tinha sido agredido por causa das dívidas mas estava vivo.

Viajámos todos para Madrid. Quando vi o meu irmão na cama do hospital – magro, olheiras fundas, mas vivo – corri para ele e abracei-o como nunca antes.

Chorámos juntos durante minutos intermináveis.

“Desculpa”, sussurrou ele. “Quis proteger-vos… Mas só piorei tudo.”

A nossa família nunca mais foi a mesma depois disso. O Diogo ficou meses em recuperação; os meus pais envelheceram anos num instante; eu perdi parte da inocência que ainda me restava.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantos segredos cabem numa família? Quantas vezes fingimos não ver para manter uma ilusão de felicidade?

E vocês? Já sentiram que toda a vossa vida podia mudar por causa de uma única mensagem?