Entre Rivalidades e Expectativas: O Peso de Ser a Irmã Mais Velha

— Não é justo, mãe! Porque é que a Mariana pode faltar ao conservatório e eu não? — gritei, sentindo o nó na garganta apertar-se ainda mais. A minha mãe olhou-me com aquele olhar cansado, como se já tivesse ouvido esta discussão mil vezes.

— Leonor, cada uma tem as suas responsabilidades. A Mariana tem o ballet, tu tens o piano. Não compares, filha.

Mas era impossível não comparar. Desde que me lembro, tudo em casa girava à volta da minha prima Mariana. Ela era a filha perfeita da tia Teresa: notas excelentes, campeã de ginástica, sempre sorridente e rodeada de amigos. Eu era a irmã mais velha, a que devia dar o exemplo à minha irmã mais nova, Matilde, mas sentia-me sempre aquém. Ouvia os sussurros nas festas de família: “A Mariana já ganhou outro prémio”, “A Leonor podia esforçar-se mais”.

O pior era que Matilde, dois anos mais nova do que eu, parecia ter herdado o brilho da Mariana. Era extrovertida, fazia amigos com facilidade e tirava boas notas sem grande esforço. Eu lutava por cada ponto nos testes, por cada sorriso dos professores. Sentia-me invisível.

Foi por isso que, quando o nosso irmão mais novo, o Tomás, nasceu, prometi a mim mesma que ele não ia passar pelo mesmo. Ia ajudá-lo a ser melhor do que eu fui — ou melhor, melhor do que todos nós. Talvez assim a mãe finalmente se orgulhasse de mim.

Tomás era um miúdo doce, mas distraído. Gostava de desenhar monstros e construir cidades de Lego no chão da sala. Não ligava a competições nem a prémios. Mas eu via nele uma oportunidade: se ele brilhasse, talvez eu também brilhasse um pouco através dele.

Comecei devagar. “Tomás, porque não te inscreves no clube de xadrez? Dizem que é bom para o raciocínio.” Ele encolheu os ombros, mas lá foi. Depois foi o futebol — “Todos os rapazes jogam! Vais fazer amigos!” — e as aulas de inglês ao sábado de manhã. Cada nova atividade era uma peça no puzzle da minha redenção.

A mãe achava graça ao meu entusiasmo. “Deixa o rapaz respirar, Leonor”, dizia entre risos. Mas eu insistia: “É para o bem dele!”

O Tomás começou a ficar cansado. Chegava a casa com olheiras, largava a mochila no chão e desaparecia para o quarto sem dizer nada. Uma noite ouvi-o chorar baixinho. Entrei sem bater.

— O que se passa?

Ele limpou as lágrimas com as costas da mão.

— Não quero ir ao xadrez amanhã. Nem ao futebol. Estou farto.

Sentei-me na cama dele e tentei explicar:

— Tomás, eu só quero que tu tenhas oportunidades. Que sejas alguém de quem todos se orgulhem.

Ele olhou-me nos olhos com uma tristeza que me desarmou:

— Mas eu não quero ser como tu ou como a Mariana. Quero só ser eu.

Saí do quarto com o coração apertado. Pela primeira vez questionei se estava realmente a ajudar ou apenas a tentar compensar as minhas próprias falhas através dele.

Os dias seguintes foram tensos. A mãe percebeu que algo não estava bem e chamou-me à cozinha.

— Leonor, senta-te aqui um bocadinho.

Sentei-me à mesa, mexendo no telemóvel para evitar o olhar dela.

— Sabes, filha… Quando eras pequena, eu também te inscrevi em tudo e mais alguma coisa porque queria que tivesses todas as oportunidades que eu não tive. Mas às vezes esquecemo-nos de ouvir o que vocês realmente querem.

Fiquei calada. Nunca tinha pensado nisso daquela forma.

Na escola, comecei a reparar em como Matilde lidava com as coisas à sua maneira. Ela não se importava com as comparações; ria-se das piadas dos colegas e seguia em frente. Eu era diferente — sempre quis agradar a todos.

No aniversário da Mariana, toda a família se reuniu em casa da tia Teresa. Os adultos falavam alto na sala enquanto nós, os primos, ficámos no jardim. A Mariana mostrava orgulhosamente o troféu novo de ginástica rítmica.

— Parabéns — disse-lhe, tentando sorrir.

Ela olhou para mim com um ar estranho.

— Obrigada… Estás bem?

Hesitei antes de responder:

— Às vezes sinto que nunca vou ser suficiente nesta família.

Mariana ficou séria pela primeira vez naquela tarde.

— Sabes que eu também sinto isso? Achas que é fácil ser sempre “a melhor”? Às vezes só queria poder falhar sem ouvir comentários.

Fiquei sem palavras. Nunca tinha pensado que ela também sentisse pressão.

Na viagem de regresso a casa, olhei pela janela do carro e pensei em tudo aquilo. Talvez estivéssemos todos presos num ciclo de expectativas impossíveis — cada um à sua maneira.

Na semana seguinte, sentei-me com o Tomás e perguntei-lhe:

— O que gostavas mesmo de fazer? Sem pressões.

Ele sorriu pela primeira vez em semanas:

— Gostava de aprender guitarra…

Inscrevi-o nas aulas e prometi não interferir mais nas escolhas dele. Aos poucos vi-o recuperar a alegria e até fazer novos amigos por iniciativa própria.

Quanto a mim, comecei terapia para lidar com as minhas inseguranças e aprender a valorizar-me pelo que sou — não pelo que faço ou pelo que esperam de mim.

Hoje olho para trás e vejo como as rivalidades familiares podem deixar marcas profundas. Mas também percebo que temos sempre escolha: continuar a repetir padrões ou tentar quebrá-los.

E vocês? Já sentiram este peso das expectativas familiares? Como lidam com as comparações dentro da vossa própria família?