Os Pais do Miguel Nunca Me Aceitaram: Eles Escolheram a ‘Certa’ Para Ele

— Não é possível, Miguel! Vais mesmo trazer essa rapariga para jantar cá em casa outra vez? — A voz da Dona Teresa ecoava pela sala, carregada de um desprezo que me cortava como vidro.

Eu estava na cozinha, a ouvir tudo atrás da porta. O cheiro do bacalhau com natas misturava-se com o nó na minha garganta. O Miguel, sempre tão calmo, tentava argumentar:

— Mãe, a Sofia é minha amiga. Quero que a conheças melhor. Ela não é como pensas.

Mas eu sabia. Sabia desde o primeiro dia em que entrei naquela casa, com as paredes forradas de quadros antigos e estantes cheias de livros caros, que nunca seria aceite ali. O Miguel vinha de uma família de advogados e professores universitários, gente que discutia política à mesa e falava de viagens ao estrangeiro como se fossem idas ao supermercado. Eu? Eu era filha da Dona Lurdes, empregada de limpeza, e do Sr. António, que desapareceu quando eu tinha oito anos.

A minha infância foi feita de silêncios e portas a bater. A minha mãe fazia turnos duplos para pagar a renda do nosso T2 em Chelas. Eu cresci a ouvir discussões sobre contas por pagar e a sentir vergonha quando os colegas gozavam comigo por não ter roupa de marca.

Conheci o Miguel no secundário. Ele era o miúdo novo, vindo do colégio privado para a escola pública porque os pais queriam que ele “conhecesse a realidade”. Tornámo-nos inseparáveis. Ele ensinava-me matemática; eu mostrava-lhe onde comprar pastéis de nata baratos. Ríamos juntos no autocarro, partilhávamos sonhos e medos.

Quando começámos a namorar, pensei que nada nos podia separar. Mas estava enganada.

O primeiro jantar em casa dos pais dele foi um desastre anunciado. A Dona Teresa olhou-me de cima a baixo, reparando no meu vestido simples e nas minhas mãos nervosas.

— E então, Sofia, os teus pais fazem o quê? — perguntou ela, com aquele tom doce que só serve para humilhar.

— A minha mãe trabalha na limpeza, no hospital de Santa Maria — respondi, tentando sorrir.

O silêncio caiu pesado sobre a mesa. O Dr. Álvaro, pai do Miguel, pigarreou e mudou de assunto para política internacional. Senti-me invisível.

Depois desse jantar, as coisas mudaram. O Miguel começou a receber mensagens dos pais a perguntar onde estava, com quem estava. Quando saíamos juntos, ele ficava tenso sempre que eu sugeria ir ao bairro onde cresci.

— Não percebes? Eles acham que não és suficiente para mim — disse-me ele uma noite, depois de uma discussão feia.

— E tu? Achas?

Ele ficou calado. Essa resposta doeu mais do que qualquer palavra.

Os meses passaram e o Miguel tentou lutar contra os pais. Mas eles eram persistentes. Começaram a apresentar-lhe raparigas “adequadas”: filhas de colegas advogados, estudantes de medicina, todas com nomes compostos e sorrisos perfeitos.

Uma delas era a Inês Cardoso. Loira, alta, sempre impecável. A Dona Teresa organizou um jantar só para eles dois. O Miguel contou-me tudo depois.

— Ela é simpática, mas não és tu — disse-me ele, segurando-me as mãos.

Mas eu sentia-o cada vez mais distante. As pressões aumentavam: os pais ameaçaram cortar-lhe o apoio financeiro se continuasse comigo. Ele queria estudar fora; eles prometeram pagar-lhe tudo se terminasse comigo.

Uma noite, depois de mais uma discussão em casa dele, saí porta fora sem olhar para trás. Chovia torrencialmente. Sentei-me num banco de jardim e chorei até não ter mais lágrimas.

A minha mãe encontrou-me assim quando cheguei a casa.

— Sofia, tu vales tanto quanto qualquer uma dessas meninas ricas — disse ela, abraçando-me com força.

Mas eu sentia-me pequena, esmagada pelo peso das expectativas dos outros.

O Miguel tentou falar comigo nos dias seguintes. Mandou mensagens, esperou por mim à porta da escola. Mas eu já não conseguia olhar para ele sem sentir dor.

Passaram-se meses. Ele foi estudar para Coimbra; eu fiquei em Lisboa a trabalhar num café enquanto tentava entrar na universidade à noite.

Soube pelo Instagram que ele começou a namorar com a Inês Cardoso pouco depois. Vi fotos deles em viagens, jantares chiques, sempre sorridentes. O coração apertou-se-me no peito.

Anos depois, encontrei-o por acaso no metro. Estava diferente: mais magro, olhar cansado.

— Sofia… — murmurou ele, como se o meu nome ainda lhe doesse na boca.

Conversámos durante duas estações apenas. Falou-me do trabalho num escritório famoso; eu contei-lhe do meu curso de enfermagem e do orgulho da minha mãe.

Antes de sair, olhou-me nos olhos:

— Desculpa por não ter lutado mais por nós.

Sorri-lhe com tristeza:

— Às vezes não basta amar alguém se não temos coragem para enfrentar o mundo juntos.

Agora escrevo esta história sentada na varanda do meu pequeno apartamento em Benfica. O sol põe-se sobre Lisboa e penso em tudo o que perdi… e tudo o que ganhei ao escolher ser fiel a mim mesma.

Será que algum dia as famílias vão perceber que o amor não se mede pelo apelido ou pela conta bancária? Quantos sonhos terão sido destruídos por preconceitos antigos? Gostava de saber o que vocês pensam…