O Desastre Amoroso da Minha Irmã: Uma Busca por Amor em Lisboa

— Rita, tu não podes continuar assim! — A voz da Mariana ecoou pelo corredor, misturando-se com o cheiro a café acabado de fazer. — Já tens vinte e oito anos, e a avó Beatriz não vai viver para sempre à espera de te ver casada!

Olhei para ela, sentada na ponta do sofá, com o cabelo apanhado num coque apressado e os olhos brilhantes de entusiasmo. Mariana sempre foi assim: determinada, impulsiva, convencida de que podia resolver a vida de toda a gente. Eu, por outro lado, sempre preferi o silêncio dos livros ao burburinho das festas.

— Mariana, por favor… — tentei argumentar, mas ela já estava de pé, a mexer no telemóvel freneticamente.

— Já tratei de tudo! Hoje à noite vamos ao Café do Bairro. O João vai lá estar — disse ela com um sorriso maroto.

Suspirei. O João era amigo dela desde os tempos do liceu. Tinha um sorriso fácil e uma gargalhada contagiante, mas nunca me despertou grande interesse. Ainda assim, cedi. Talvez fosse mais fácil ir do que ouvir a Mariana insistir durante horas.

A noite caiu sobre Lisboa com aquele brilho dourado que só a cidade conhece. O Café do Bairro estava cheio de gente: risos, copos a tilintar, música baixinha ao fundo. Mariana entrou como se fosse dona do lugar, acenando a toda a gente. Eu segui-a, sentindo-me deslocada.

O João já lá estava, sentado junto à janela. Levantou-se quando nos viu e cumprimentou-nos com dois beijos. Mariana sentou-se entre nós, mas rapidamente inventou uma desculpa para ir falar com uma amiga do outro lado da sala.

— Então, Rita… — começou o João, sorrindo. — A tua irmã anda muito empenhada em arranjar-te namorado.

Sorri, sem jeito. — Ela acha que preciso de ajuda.

— E precisas?

Fiquei sem resposta. Talvez precisasse. Ou talvez só precisasse que me deixassem em paz.

A conversa arrastou-se entre banalidades e silêncios desconfortáveis. O João era simpático, mas faltava ali qualquer coisa. Quando Mariana voltou, percebi pelo olhar dela que estava desapontada.

Nos dias seguintes, Mariana não desistiu. Arrastou-me para bares no Cais do Sodré, jantares em casa de amigos dela, até speed datings organizados por uma colega do trabalho. Em cada encontro, sentia-me mais deslocada, mais cansada daquela busca incessante.

Uma noite, depois de mais um encontro falhado — desta vez com o Pedro, um engenheiro informático que só falava de videojogos — cheguei a casa e encontrei a avó Beatriz sentada na sala, a ver telenovelas.

— Então, minha menina? — perguntou ela, sem desviar os olhos do ecrã.

— Mais um desastre — respondi, atirando-me para o sofá.

A avó suspirou. — Nos meus tempos não era assim. Conheci o teu avô no baile da aldeia. Dançámos uma valsa e nunca mais nos largámos.

— Os tempos mudaram, avó.

Ela olhou-me nos olhos, séria. — Mas o coração das pessoas não muda assim tanto. Só tens de estar atenta.

No dia seguinte, Mariana apareceu em casa com um plano ainda mais elaborado: um jantar familiar onde convidaria o Tomás, colega dela do escritório.

— Ele é perfeito para ti! Inteligente, educado… E tem um sorriso lindo! — dizia ela enquanto me ajudava a escolher um vestido.

O jantar começou bem. Tomás era realmente simpático e parecia interessado em mim. Mas à medida que a noite avançava e o vinho corria solto, começaram as perguntas incómodas:

— Então Rita, quando pensas casar? — perguntou a tia Lurdes.

— E filhos? Já pensaste nisso? — insistiu o tio António.

Senti o rosto corar. Tomás olhou-me com pena e tentou mudar de assunto, mas a família não largava o osso.

Quando finalmente consegui escapar para a varanda, Mariana veio atrás de mim.

— Desculpa… Eles só querem o teu bem.

— O meu bem? Ou querem apenas cumprir expectativas? — perguntei, sentindo as lágrimas ameaçarem cair.

Mariana abraçou-me. Pela primeira vez vi nela alguma dúvida.

— Eu só queria ver-te feliz…

— E se eu já for feliz assim?

O silêncio entre nós foi pesado. Pela primeira vez percebi que talvez Mariana estivesse a projetar em mim as suas próprias inseguranças. Afinal, ela também estava solteira há meses desde que o namorado a trocara por outra.

Os dias passaram e as tentativas de Mariana abrandaram. Mas a pressão familiar continuava. A avó Beatriz começou a falar em testamentos e heranças condicionadas ao casamento. A mãe sugeriu que eu consultasse uma taróloga em Alfama para “desbloquear energias”.

No meio deste caos, comecei a sair sozinha. Descobri pequenos cafés onde podia ler em paz, jardins escondidos onde me sentia livre. Numa dessas tardes conheci o Miguel: estava sentado ao meu lado no Jardim da Estrela, a desenhar num caderno.

— Gosto desse livro — disse ele, apontando para o meu exemplar de Saramago.

Conversámos durante horas sobre literatura, música e sonhos adiados. Não houve faíscas imediatas nem promessas de amor eterno. Só uma sensação de conforto e entendimento mútuo.

Começámos a encontrar-nos regularmente. Nunca contei à Mariana nem à família; queria algo só meu, longe das expectativas e pressões externas.

Um dia, Mariana apareceu em casa radiante:

— Rita! Conheci alguém! O André! Acho que é desta!

Sorri-lhe sinceramente pela primeira vez em meses. Talvez agora ela entendesse que o amor não se força nem se planeia; simplesmente acontece quando menos esperamos.

Naquele Natal, sentei-me à mesa rodeada pela família barulhenta e caótica. A avó Beatriz brindou à saúde de todos e lançou-me um olhar cúmplice. Mariana trocou sorrisos com André e eu pensei em Miguel, à espera do lado de fora para um passeio noturno pelas ruas iluminadas da cidade.

Talvez nunca venha a casar nem ter filhos como todos esperam de mim. Mas aprendi que a felicidade não se mede por rituais ou convenções sociais; mede-se pelos pequenos momentos de paz e verdade que encontramos pelo caminho.

E vocês? Já sentiram esta pressão para corresponder às expectativas dos outros? Será que algum dia conseguimos viver só para nós mesmos?