O Alarme Falso da Babá: Um Grito na Madrugada de Vila Nova
— Dona Teresa, o Tiaguinho desapareceu! — gritei ao telefone, a voz trêmula, o coração aos pulos. O relógio marcava 2h17 da manhã e eu já tinha revistado cada canto da casa dos Silva. O silêncio da vila era cortado apenas pelo eco dos meus próprios passos apressados.
Nunca imaginei que aquela noite de babysitting pudesse virar o meu inferno pessoal. Quando aceitei cuidar do Tiaguinho, filho único do casal Silva, só queria juntar algum dinheiro para pagar a renda atrasada do meu pequeno apartamento. Mas agora, com a polícia a caminho e vizinhos acordando com as sirenes, eu era a protagonista de um pesadelo.
Tudo começou quando ouvi um barulho vindo do quintal. Levantei-me do sofá, largando o livro que tentava ler para afastar o sono. Fui até ao quarto e vi a cama vazia. O pijama azul do Tiaguinho estava jogado no chão. Senti um frio na espinha. Procurei na casa toda, até debaixo da mesa da cozinha, onde ele gostava de brincar às escondidas. Nada.
— Como é que deixaste isto acontecer, Mariana? — perguntou Dona Teresa, a mãe do Tiaguinho, assim que chegou, ainda de robe e cabelo desgrenhado. O olhar dela era uma mistura de medo e raiva. — Eu confiei em ti!
A polícia entrou logo atrás dela. O Sargento Almeida fez perguntas rápidas, anotando tudo no seu bloco. — Quando foi a última vez que viu o menino? — perguntou-me, sem sequer me olhar nos olhos.
— Há menos de meia hora… Ele estava a dormir — respondi, sentindo as lágrimas ameaçarem cair.
A vila acordou em peso. As pessoas saíram à rua com lanternas e cães, formando grupos de busca. O boato espalhou-se como fogo: “A Mariana perdeu o Tiaguinho!”. Senti os olhares acusadores das vizinhas, ouvi os sussurros cortantes: “Sempre achei que ela não era de confiança…”.
Enquanto todos procuravam pelo Tiaguinho, eu fiquei sentada na sala dos Silva, tremendo. Lembrei-me da minha infância difícil em Vila Nova, das vezes em que fui acusada injustamente pelos meus próprios pais. O medo de ser rejeitada outra vez apertava-me o peito.
O relógio avançava lentamente. A cada minuto que passava sem notícias do Tiaguinho, a culpa crescia dentro de mim como uma erva daninha. Dona Teresa chorava baixinho no canto da sala, enquanto o marido tentava acalmá-la sem sucesso.
— Mariana, tens mesmo a certeza de que não viste nada estranho? — insistiu o Sargento Almeida pela terceira vez.
— Juro que não! Eu… eu só queria fazer tudo certo — respondi, a voz embargada.
Foi então que ouvi um barulho vindo do sótão. Um rangido leve, quase imperceptível. Levantei-me num salto e corri escada acima, seguida pelo Sargento e pelo Sr. Silva.
Abrimos a porta do sótão e lá estava ele: Tiaguinho, encolhido atrás de umas caixas velhas, com os olhos arregalados de medo.
— Estava a brincar às escondidas… — murmurou ele, agarrando-se ao boneco preferido.
O alívio foi imediato, mas durou pouco. A multidão lá fora ficou dividida entre o riso nervoso e a indignação. Alguns abraçaram-me, outros lançaram-me olhares de desprezo.
— Isto foi tudo um alarme falso! — gritou Dona Lurdes, a vizinha fofoqueira. — Mariana devia ter verificado melhor antes de alarmar toda a vila!
O Sargento Almeida tentou acalmar os ânimos, mas já era tarde demais. A notícia espalhou-se pelo WhatsApp da vila: “Babá irresponsável causa pânico por nada”.
Nos dias seguintes, ninguém me cumprimentava na rua. As mães começaram a evitar-me no supermercado e os convites para babysitting desapareceram como por magia. Até os meus pais me ligaram para perguntar se era verdade aquilo que diziam sobre mim.
— Mariana, tu nunca foste muito atenta… — disse a minha mãe ao telefone, reabrindo feridas antigas.
Senti-me sozinha como nunca antes. Passei noites sem dormir, revivendo cada segundo daquela madrugada. Perguntava-me se devia ter procurado melhor antes de ligar para os pais do Tiaguinho. Mas também sabia que não podia arriscar: e se ele tivesse mesmo desaparecido?
Uma semana depois, Dona Teresa bateu à minha porta. Trazia um bolo nas mãos e um olhar cansado.
— Mariana… Vim pedir desculpa — disse ela baixinho. — Sei que fizeste o melhor que podias naquela noite. O Tiaguinho contou-nos que subiu ao sótão porque ouviu um barulho estranho e ficou com medo de descer…
As lágrimas correram-me pela cara abaixo. Pela primeira vez desde aquela noite, senti um peso sair-me dos ombros.
— Obrigada por vires — respondi, abraçando-a.
Ainda assim, a vila não esqueceu tão depressa. Os boatos continuaram durante meses e eu tive de reconstruir a minha reputação pouco a pouco. Voltei a aceitar trabalhos de babysitting noutras freguesias e fui mostrando que sou responsável e dedicada.
Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas vezes julgamos alguém sem saber toda a verdade? E quantas vezes deixamos que o medo nos impeça de agir quando é preciso?
Será que algum dia vou conseguir perdoar-me por aquele alarme falso? E vocês, já passaram por algo assim? Como lidaram com o julgamento dos outros?