Quando o Rui me deixou, fiquei sem nada – nem sequer sem dívidas: A história de quem apostou tudo no amor e perdeu
— Não posso mais, Ana. Já não sinto nada. — As palavras do Rui ecoaram pela cozinha fria, misturando-se com o cheiro do café queimado que eu tinha deixado ao lume. Olhei para ele, tentando decifrar se era mesmo verdade ou só mais uma das suas crises de cansaço. Mas os olhos dele não tremiam. Não havia hesitação.
O silêncio caiu entre nós como um muro. Senti o coração a bater tão forte que temi que ele ouvisse. Tantos anos juntos, tantos sonhos partilhados… e agora isto? Lembrei-me do dia em que começámos tudo do zero. Eu, recém-licenciada em Economia, podia ter seguido para Lisboa, arranjado um emprego num banco qualquer, mas fiquei. Fiquei porque ele tinha aquele brilho nos olhos, aquela vontade de vencer. E eu acreditei nele. Acreditei em nós.
— O que é que queres dizer com isso, Rui? Vais sair de casa? — perguntei, a voz a tremer.
Ele desviou o olhar, mexendo nervosamente na aliança. — Já devia ter falado contigo há mais tempo. Conheci alguém. Não é justo para ti nem para mim continuar assim.
Senti o chão a fugir-me dos pés. O Rui? O meu Rui? O homem por quem abdiquei de tudo? Lembrei-me das noites em claro a fazer contas para o negócio não ir abaixo, das vezes em que vendi as minhas jóias para pagar salários aos funcionários, dos Natais passados no escritório porque havia sempre mais um problema para resolver.
— E o negócio? — perguntei, quase num sussurro.
Ele encolheu os ombros. — Fica comigo. Sempre esteve em meu nome.
Foi aí que percebi: não tinha nada. Nem casa — estava em nome dos pais dele — nem negócio — sempre em nome dele — nem sequer um salário para mostrar ao banco. Tudo o que fiz foi por amor e confiança. E agora? Agora era só eu e as dívidas que ele deixou para trás.
Os dias seguintes foram um borrão de lágrimas e papéis espalhados pela mesa da sala. A minha mãe ligava todos os dias:
— Ana, volta para casa. Não tens de passar por isto sozinha.
Mas eu não queria voltar para a aldeia. Não queria ouvir os comentários das vizinhas:
— Coitada da Ana, tanto que trabalhou e ficou sem nada…
A minha irmã, Joana, apareceu um dia sem avisar.
— Vais ficar aí a chorar por ele? Ele nunca te mereceu! — gritou ela, puxando-me para fora da cama.
— Não percebes… Eu não sei fazer outra coisa! A minha vida era aquilo…
Ela abraçou-me com força. — A tua vida és tu, Ana. Não é o Rui, nem o negócio dele.
Comecei a procurar trabalho. Mas quem é que queria uma mulher de 38 anos sem experiência formal, sem contratos, sem referências? Fui a entrevistas atrás de entrevistas. Numa delas, o gerente olhou para o meu currículo e perguntou:
— Trabalhou 15 anos numa empresa sem contrato? Porquê?
Senti-me envergonhada. Como explicar que foi por amor? Que confiei demais?
As contas começaram a acumular-se. O banco ligava todos os dias por causa do crédito do carro — também em meu nome, claro. Vendi tudo o que pude: móveis, roupa, até os livros da faculdade.
Uma noite, sentei-me sozinha na varanda do pequeno apartamento alugado onde acabei por ficar. Olhei para as luzes da cidade e chorei como nunca tinha chorado antes. Senti raiva do Rui, mas acima de tudo senti raiva de mim própria por ter sido tão ingénua.
Um dia, recebi uma mensagem inesperada:
— Olá Ana, sou a Teresa da associação Mulheres em Rede. A Joana falou-me de ti. Queres vir tomar um café?
Fui sem saber ao certo o que esperar. A Teresa ouviu-me durante horas sem me julgar.
— Sabes quantas mulheres passam pelo mesmo? — perguntou ela. — Achamos sempre que o amor chega… mas é preciso proteger-nos também.
Comecei a ir às reuniões da associação. Conheci mulheres como eu: umas traídas pelos maridos, outras enganadas pelos sócios ou familiares. Partilhávamos histórias, chorávamos juntas e ríamos das pequenas vitórias.
Foi lá que conheci a Carla, que precisava de alguém para ajudar na contabilidade da loja dela.
— Não tenho dinheiro para te pagar muito ao início… — avisou ela.
— Não faz mal — respondi. — Preciso é de começar de novo.
Aos poucos fui recuperando a confiança em mim própria. Aprendi a dizer não, a exigir respeito e a valorizar o meu trabalho. A Carla tornou-se uma amiga e parceira leal.
Meses depois, fui chamada para uma entrevista numa empresa maior. O diretor olhou para mim e disse:
— Vejo aqui muita experiência prática… E coragem também.
Fui contratada como responsável financeira. Pela primeira vez na vida assinei um contrato em meu nome.
O Rui tentou voltar passado um ano.
— Enganei-me… Sinto falta de ti e do que tínhamos — disse ele à porta do meu novo apartamento.
Olhei para ele e vi um homem perdido, mas já não era o meu problema resolver-lhe a vida.
— Agora sou eu quem escolhe o meu caminho — respondi calmamente.
Fechei-lhe a porta com um misto de tristeza e alívio.
Hoje olho para trás e vejo tudo o que perdi… mas também tudo o que ganhei: independência, força e novas amizades. Ainda dói pensar no tempo desperdiçado? Dói. Mas aprendi que nunca é tarde para recomeçar.
E vocês? Já confiaram demais em alguém e pagaram caro por isso? Como se volta a acreditar depois de perder tudo?