Metade da Minha Casa: O Preço de um Genro

— Não posso acreditar no que estás a dizer, Rui! — gritei, sentindo o sangue ferver-me nas veias. O Rui, o meu genro, olhava-me de frente, olhos frios, como se eu fosse um estranho. — A casa é da minha filha! Foi para ela que a comprei!

Ele não vacilou. — Mas eu também investi ali. Foram anos de trabalho, de reformas, de dinheiro meu posto naquela casa. Tenho direito a metade.

A sala parecia encolher à medida que a discussão subia de tom. A minha mulher, Teresa, tentava acalmar-nos, mas eu já não conseguia ouvir nada para além do zumbido da raiva. Como é que chegámos aqui? Como é que aquele rapaz, que eu acolhi como filho, agora me olhava com tanto desprezo?

Lembro-me do dia em que comprámos aquela casa. Era um T3 modesto em Almada, mas para nós era um palácio. Teresa e eu trabalhámos uma vida inteira para dar à nossa filha, Sofia, um futuro seguro. Quando ela casou com o Rui, parecia tudo perfeito: ele era educado, trabalhador, vinha de uma família simples do Barreiro. Nunca imaginei que um dia ele se voltasse contra nós.

O casamento deles começou bem, mas com o tempo fui notando pequenas coisas. O Rui era ambicioso, sempre a falar de dinheiro e investimentos. Quando sugeriu remodelar a casa, achei boa ideia — queria o melhor para a Sofia. Ele meteu mãos à obra: trocou canalizações, pintou paredes, até construiu uma marquise com as próprias mãos. Admito, gastou dinheiro e esforço.

Mas agora… agora queria metade da casa porque o casamento acabou mal. A Sofia apanhou-o a trocar mensagens com outra mulher. Chorou dias inteiros no nosso sofá, enquanto o Rui fazia as malas.

— Não tens vergonha? — perguntei-lhe naquele dia fatídico. — Depois do que fizeste à Sofia ainda tens coragem de exigir metade?

Ele encolheu os ombros. — É a lei. Eu investi ali. Não vou sair de mãos a abanar.

A Teresa chorava baixinho na cozinha. Eu sentia-me impotente. Sempre fui homem de resolver tudo à mesa, com conversa e um copo de vinho. Mas ali não havia vinho que chegasse para acalmar aquela amargura.

Os dias seguintes foram um inferno. Advogados, papéis, ameaças veladas. A Sofia fechou-se no quarto dela como quando era adolescente e eu sentia-me a perder tudo: a casa, a paz, a família.

Uma noite, sentei-me ao lado dela na cama.

— Filha… desculpa. Se calhar nunca devia ter comprado aquela casa.

Ela olhou-me com olhos vermelhos de tanto chorar.

— Não é tua culpa, pai. O Rui mudou… ou talvez nunca tenha sido quem pensávamos.

A Teresa entrou nesse momento com chá quente e sentou-se connosco.

— O Rui ligou-me hoje — disse ela em voz baixa. — Disse que vai mesmo avançar com o processo.

Senti um aperto no peito. Era como se tudo aquilo fosse um pesadelo do qual não conseguia acordar.

Os meses passaram e o processo arrastou-se nos tribunais. O Rui apresentou recibos das obras, fotos do antes e depois, testemunhos dos vizinhos que o viram trabalhar na casa. O advogado dele era frio e calculista; o nosso parecia sempre cansado.

No Natal desse ano, a família dividiu-se. Os pais do Rui deixaram de nos falar; os meus irmãos diziam que devíamos vender tudo e acabar com aquilo de vez. Mas eu não conseguia aceitar: aquela casa era o símbolo do nosso esforço, do nosso amor pela Sofia.

Uma tarde chuvosa em fevereiro, recebi uma carta do tribunal: tínhamos perdido metade da casa. O Rui tinha direito a uma parte significativa porque provou que investiu dinheiro e trabalho nas obras.

Sentei-me na sala vazia e chorei como há anos não chorava. A Teresa abraçou-me em silêncio; a Sofia saiu para caminhar sem dizer palavra.

Os meses seguintes foram de negociações amargas: ou comprávamos a parte do Rui ou vendíamos tudo e dividíamos o dinheiro. A Sofia não queria ficar ali — cada canto da casa lembrava-lhe o casamento falhado.

No fim, vendemos a casa por menos do que valia. Pagámos ao Rui o que ele exigiu e ficámos com pouco mais do que nada. Mudámo-nos para um apartamento pequeno em Setúbal; a Sofia foi viver sozinha para Lisboa.

Durante muito tempo culpei-me por tudo isto: por ter confiado no Rui, por ter comprado aquela casa em nome da Sofia sem pensar nas consequências legais, por não ter protegido melhor a minha filha.

Hoje olho para trás e vejo uma família marcada por uma traição e por um sistema legal frio e impessoal. A Teresa envelheceu anos naquele processo; a Sofia tornou-se mais dura, menos confiante nos outros.

Às vezes pergunto-me: será que valeu a pena lutar tanto por uma casa? Ou será que devíamos ter lutado mais uns pelos outros? E vocês… já passaram por algo assim? O que fariam no meu lugar?