Ele Deixou-me no Nono Mês de Gravidez e Voltou Três Anos Depois a Pedir Perdão
— Não posso mais, Sofia. Não consigo respirar nesta casa. — As palavras do Miguel ecoaram pela cozinha fria, enquanto eu, com a barriga enorme, tentava conter as lágrimas. O cheiro do café queimado misturava-se ao perfume agridoce da minha ansiedade. — Vais-me deixar agora? No nono mês? — perguntei, a voz trémula, quase inaudível.
Ele não respondeu. Pegou nas chaves, olhou para mim uma última vez e saiu. O som da porta a fechar foi como um trovão a rasgar o silêncio da minha vida. Fiquei ali, sozinha, com as mãos pousadas na barriga, sentindo o meu filho a mexer-se como se tentasse consolar-me.
Miguel e eu estávamos juntos há nove anos. Conhecemo-nos na faculdade em Coimbra, entre livros de Direito e cafés apressados na Praça da República. Sempre fomos diferentes: ele, reservado e metódico; eu, impulsiva e sonhadora. Nunca vivemos juntos antes do casamento — uma decisão que agradou à minha mãe, Dona Teresa, mulher de tradições e rezas diárias. Quando engravidei inesperadamente, Miguel pediu-me em casamento. Aceitei, acreditando que o amor venceria tudo.
Mas o amor não venceu o medo dele. Nem as pressões da família dele, que nunca me aceitou por ser de uma aldeia pequena perto de Viseu. A mãe dele, Dona Lurdes, fazia questão de me lembrar que o filho merecia alguém “à altura”. Miguel nunca me defendeu.
Naquela noite em que ele partiu, liguei à minha mãe. Ela chegou pouco depois, trazendo consigo um cobertor e um caldo quente. Sentou-se ao meu lado e disse:
— Filha, os homens vão e vêm. Mas tu és mãe agora. Tens de ser forte.
Chorei no colo dela até adormecer.
O parto foi difícil. Estava sozinha no hospital de São João, rodeada por estranhos e pelo medo. Quando ouvi o primeiro choro do Tomás, senti uma força que nunca imaginei ter. Olhei para ele e prometi que nunca o deixaria sentir-se sozinho.
Os meses seguintes foram um turbilhão de noites mal dormidas e fraldas sujas. Voltei para casa da minha mãe, onde ela e o meu irmão mais novo, Rui, me ajudaram como podiam. Os vizinhos cochichavam — “Coitada da Sofia, foi deixada com um filho nos braços” — mas eu aprendi a ignorar.
Miguel nunca ligou. Nem uma mensagem no aniversário do Tomás. Nada.
Trabalhei como pude: dei explicações a crianças da aldeia, fiz bolos para vender na pastelaria da Dona Amélia. Cada euro era contado ao cêntimo. O Tomás crescia saudável, risonho, com os olhos castanhos do pai e o cabelo rebelde igual ao meu.
Três anos passaram-se assim: entre festas de aniversário simples, idas ao parque e noites em claro com febres e tosses. A ferida do abandono foi cicatrizando devagarinho.
Até ao dia em que ouvi bater à porta.
Era uma tarde de março, chuvosa como tantas outras. Abri a porta e vi Miguel — mais magro, olheiras fundas, cabelo despenteado.
— Sofia… — disse ele, hesitante. — Preciso falar contigo.
O meu coração disparou. Senti raiva, medo e uma pontinha de esperança que odiei sentir.
— O que queres? — perguntei, fria.
Ele olhou para mim como se procurasse as palavras certas.
— Sei que não mereço perdão. Mas não consigo viver com isto na consciência. Deixei-te sozinha quando mais precisavas de mim… Fui cobarde. A minha mãe pressionou-me tanto… Eu estava perdido.
— E agora? Achas que podes simplesmente voltar? O Tomás nem sabe quem tu és! — gritei, sentindo as lágrimas a ameaçarem cair outra vez.
O Tomás apareceu na sala, curioso com as vozes altas.
— Mamã? Quem é este senhor?
Miguel ajoelhou-se à altura dele, os olhos marejados de lágrimas.
— Sou… sou teu pai.
O Tomás olhou para mim à procura de respostas. Eu não sabia o que dizer.
Miguel pediu para falar comigo a sós. Fomos até à cozinha — o mesmo sítio onde tudo tinha acabado três anos antes.
— Sofia… Eu quero fazer parte da vida do nosso filho. Sei que não posso apagar o passado, mas quero tentar ser um bom pai agora.
Olhei para ele durante longos segundos. Vi arrependimento nos olhos dele, mas também vi medo — medo de não ser aceite nem por mim nem pelo filho.
— Não é assim tão simples — respondi. — O Tomás não é um brinquedo que podes largar e voltar a pegar quando te apetece.
Ele baixou a cabeça.
— Eu sei… Só peço uma oportunidade para provar que mudei.
Durante semanas, Miguel apareceu todos os sábados para brincar com o Tomás no parque ou levá-lo ao futebol. No início eu ficava por perto, desconfiada. Mas aos poucos vi o esforço dele: nunca faltava, trazia livros para ler ao filho e até aprendeu a fazer panquecas só para agradar-lhe.
A minha mãe não escondia o desagrado:
— Vais mesmo deixar esse homem voltar à vida do teu filho? Depois do que ele te fez?
Eu própria não sabia responder-lhe. O coração dividia-se entre o medo de ser magoada outra vez e a esperança de dar ao Tomás aquilo que nunca tive: um pai presente.
Numa noite de verão, depois de adormecer o Tomás, sentei-me com Miguel à mesa da cozinha.
— Porque voltaste mesmo? — perguntei-lhe finalmente.
Ele respirou fundo:
— Porque percebi que fugi das minhas responsabilidades por cobardia. E porque nunca deixei de te amar.
As palavras ficaram suspensas no ar entre nós dois. Senti vontade de acreditar nele, mas também medo de me perder outra vez.
O tempo passou devagarinho. Miguel reconquistou aos poucos a confiança do filho — e a minha também. Mas nunca mais fomos os mesmos. As cicatrizes ficaram lá: lembravam-me todos os dias do que perdi e do que ganhei com a dor.
Hoje olho para trás e pergunto-me: será possível perdoar verdadeiramente quem nos magoou tanto? Ou será que algumas feridas nunca saram completamente? O que vocês fariam no meu lugar?