Nunca Cheguei ao Altar: Enquanto Planeávamos o Casamento, O Meu Noivo e o Pai Vendiam a Nossa Casa às Escondidas

— Mariana, precisamos de falar — disse a minha mãe, com aquela voz que só usa quando sabe que algo está prestes a desabar. Eu estava sentada à mesa da cozinha, rodeada de listas de convidados, amostras de tecidos e o catálogo do espaço onde sonhava casar-me com o Diogo. O cheiro do café misturava-se com o perfume das flores frescas que a minha avó tinha trazido do quintal. Tudo parecia perfeito, pelo menos à superfície.

— O que foi agora, mãe? — perguntei, tentando esconder o cansaço. Os últimos meses tinham sido um turbilhão de emoções: entre o trabalho novo, a pressão dos preparativos e as discussões familiares sobre quem devia ser convidado ou não, sentia-me prestes a rebentar.

Ela hesitou, olhou para o chão e depois para mim. — O teu pai ouviu uma conversa estranha no café. Dizem que o Diogo e o pai dele andam a tratar de papéis para vender a casa.

O meu coração parou por um segundo. — Que casa? — perguntei, já sabendo a resposta.

— A vossa. Aquela onde vocês iam viver depois do casamento.

Senti um frio na espinha. A casa era pequena, mas era nossa. Tínhamos passado meses a escolher cada detalhe: as cortinas amarelas da sala, os azulejos antigos da cozinha, até o jardim onde imaginava os nossos filhos a brincar. Era ali que eu via o meu futuro.

Levantei-me de rompante. — Isso não faz sentido. O Diogo nunca faria isso sem me dizer nada.

A minha mãe pousou a mão sobre a minha. — Mariana, às vezes as pessoas surpreendem-nos… nem sempre pela positiva.

Saí de casa sem saber para onde ir. Liguei ao Diogo, mas ele não atendeu. Liguei outra vez. Nada. O telemóvel dele ia diretamente para o voicemail.

Fui ter com a Rita, a minha melhor amiga desde os tempos da escola primária. Ela abriu-me a porta com aquele sorriso cúmplice de quem já adivinha que algo está mal.

— O que se passa? — perguntou, puxando-me para dentro.

— Achas possível alguém vender uma casa sem avisar a pessoa com quem vai casar? — disparei, sem rodeios.

Ela ficou em silêncio por uns segundos. — Mariana… conheces mesmo o Diogo? Ou conheces só aquilo que queres ver?

As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça enquanto me sentava no sofá dela, abraçada a uma almofada como se fosse um colete salva-vidas.

Naquela noite não dormi. Revirei mensagens antigas, procurei sinais de mentira nos gestos do Diogo, tentei lembrar-me de conversas em que ele tivesse mencionado dificuldades financeiras ou dúvidas sobre o casamento. Nada. Ele sempre fora carinhoso, atencioso… ou talvez apenas um bom ator?

No dia seguinte fui direta à imobiliária onde sabia que o pai dele costumava ir. O senhor António estava lá, sentado atrás do balcão, com um sorriso amarelo.

— Bom dia, Mariana! — disse ele, como se nada fosse.

— Preciso de falar consigo sobre a casa da Rua das Oliveiras — disse eu, tentando manter a voz firme.

Ele hesitou por um instante. — Olha, Mariana… isto não é fácil de explicar…

— Então explique! — interrompi-o, sentindo as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos.

Ele suspirou. — O Diogo pediu-me para tratar da venda. Disse que era melhor assim… que vocês precisavam de dinheiro para começar uma vida nova noutro sítio.

— Mas eu nunca concordei com isso! — gritei.

Ele encolheu os ombros. — Eu só fiz o que ele pediu…

Saí dali a tremer. Liguei à minha mãe e pedi-lhe para me vir buscar. No carro, desatei a chorar como uma criança perdida.

Em casa, o meu pai esperava-me na sala. — Filha, às vezes é preciso perder tudo para perceber quem realmente somos e quem está ao nosso lado.

Os dias seguintes foram um pesadelo: telefonemas do banco, advogados, discussões intermináveis com o Diogo (quando finalmente decidiu aparecer). Ele dizia sempre o mesmo:

— Mariana, fiz isto por nós! Não percebes? A casa era um peso… podíamos começar do zero noutro sítio qualquer!

— Mas eu nunca quis começar do zero! Eu queria aquela casa! Queria nós ali! — gritava eu, sentindo cada vez mais raiva e desilusão.

A minha família dividiu-se: uns diziam que devia perdoar-lhe porque todos cometem erros; outros achavam que era um sinal claro de que ele nunca me amou de verdade.

A mãe dele ligou-me várias vezes:

— Mariana, perdoa o meu filho… ele está perdido, não sabe o que faz…

Mas eu já não conseguia ouvir desculpas. Senti-me traída não só pelo Diogo, mas por todos à minha volta que fingiram não ver os sinais.

No dia em que devia ter vestido o meu vestido branco e caminhado até ao altar ao som da música que escolhi com tanto carinho, sentei-me sozinha no quarto escuro. Ouvi os risos da família na sala — tentavam animar-me com histórias antigas e bolos caseiros — mas nada preenchia aquele vazio.

A Rita apareceu com uma garrafa de vinho e duas taças.

— Sabes que vais sobreviver a isto, não sabes? — disse ela, abraçando-me.

— Não sei… sinto que perdi tudo: o amor, a casa, os sonhos…

Ela sorriu tristemente. — Às vezes é preciso perder para ganhar espaço para algo melhor.

Hoje olho para trás e vejo aquela Mariana ingénua como uma estranha distante. Aprendi que nem sempre quem diz amar-nos está realmente do nosso lado; às vezes são os laços de sangue ou amizade que nos salvam quando tudo desaba.

Pergunto-me muitas vezes: quantas pessoas vivem vidas inteiras presas em mentiras só porque têm medo de recomeçar? E vocês? Já sentiram que perderam tudo para finalmente se encontrarem?